Os Impactos do Diagnóstico

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Psicopatologia é um tema do cotidiano. Ainda que leigos/as, geralmente, não utilizem esse termo, conhecem, cada vez mais, categorias diagnósticas que nomeiam padrões comportamentais atípicos e desviantes da norma. Por exemplo, é comum ouvir alguém se referir a padrões oscilatório de humor enquanto “bipolaridade”, ainda que não descreva as condições de alguém que, de fato, tenha recebido este diagnóstico em um contexto de saúde mental. No mesmo sentido, a percepção de distrações constantes e dificuldades de concentração pode resultar numa fala como “Fulano tem TDAH”, lamentavelmente contextualizada numa relação desgastada e proferida tal como uma crítica. Além disso, os mecanismos de pesquisa online permitem que, rapidamente, desconfortos percebidos sejam investigados, favorecendo identificações com transtornos de ansiedade diversos.  

Como profissionais de saúde mental, temos acesso a manuais descritivos de transtornos mentais, cada vez mais extensos. Se, em 1953, a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), publicada pela Associação Americana de Psiquiatria, apresentava 106 categorias diagnósticas, a versão mais atualizada do manual conta com a descrição de mais de 300. Diante deste aumento, cabe a pergunta: a nossa capacidade descritiva aumentou ou a intolerância ao sofrer compreende cada vez mais reações comuns enquanto adoecimento?

Mesmo sem dar resposta definitiva ao questionamento, conhecer estes recursos resultantes de pesquisas e estudos sérios na psicologia é um dever importante para nos mantermos atualizados e capazes de respondermos tecnicamente às hipóteses diagnósticas que clientes citam em sessão. Além disso, a nomeação de fenômenos faz parte de um processo de reconhecimento importante que desinvibiliza sofrimentos, tantas vezes invalidados numa cultura míope, que estabelece toda a responsabilidade pelo bem ou mal-estar das pessoas “dentro delas mesmas”.

O reconhecimento de um diagnóstico pode ser uma ferramenta de validação valiosa na vida de alguém que viveu acompanhado de um sentimento de inadequação permanente por se sentir ou agir de maneiras atípicas ou diferentes das expectativas sociais de seu grupo. Ainda, destaco que dar maior visibilidade a essas condições frequentemente envolvidas em sofrimento humano reunidas em uma categoria diagnóstica, pode ser fundamental para tomadas de decisão no tratamento, o que não é ordinário para alguém com longo histórico de acesso a serviços de saúde mental e pouco melhora vivenciada na sua qualidade de vida.  

No entanto, é nosso papel enquanto profissionais de saúde mental compreender que o ato de rotular o diagnóstico provoca uma alteração no meio, que modifica as contingências e os reforçadores disponíveis ao rotulado. De forma bem objetiva, o reconhecimento como uma pessoa autista envolve o acesso exclusivo de direitos a pessoas com deficiências; já o reconhecimento de uma criança com TDAH pode levar a escola a disponibilizar auxiliares para acompanhar o aluno. Do mesmo modo, pode modificar as expectativas a respeito do seu desempenho escolar e social. A partir da nomeação de um diagnóstico, os professores podem organizar um plano educacional individualizado, com a possibilidade de ampliar o tempo destinado a atividades e outras flexibilizações importantes.

Prédio de tijolos com uma placa na lateral escrito "Como você está, realmente?" em inglês.
Foto por Finn em unsplash.com

Já, de forma menos objetiva, um diagnóstico nomeado como característica do aluno pode ter função de contexto antecedente para que os colegas restrinjam as interações e evitem compartilhar atividades com ele. No contexto adulto, o recebimento de um diagnóstico de depressão pode diminuir a probabilidade de que a família faça novas demandas ao diagnosticado ou pode modificar a gestão das informações compartilhadas, sob controle de evitar piorar o quadro.

Ademais, reconhecer-se a partir de um diagnóstico em psicopatologia muda a própria descrição que o indivíduo tem de si mesmo. De acordo com Skinner (1989), o conceito de self emerge dentro de uma comunidade verbal que estabelece e mantém contingências específicas para reforçar o comportamento de falar sobre si próprio. A consciência sobre si, o que se sente, suas características, constrói, então, o self.

A consciência sobre um diagnóstico, dessa maneira, é uma descrição que estabelece um quadro relacional entre “eu” e uma série de funções relacionadas a este diagnóstico. Numa análise sobre depressão, de acordo com Dougher e Hackbert (2003), quando “eu” e “fracasso” ou “doente” ou “depressivo” entram em uma classe de equivalência, muitas das funções associadas com estas descrições negativas aplicam-se a “eu”.

Com a compreensão de quadros psicopatológicos, dentro de um entendimento enquanto doença, a descrição “eu estou doente” pode evocar repertórios comportamentais e eliciar respondentes específicos, que dependerão da história de vida deste sujeito e da sua aprendizagem prévia sobre o que é doença/ estar doente.  

Em suma, independente das mudanças contingenciais estabelecidas a partir do diagnóstico serem positivas ou negativas para as pessoas, o que temos convicção é o ato de diagnosticar traz impactos significativos na vida delas.

Psicopatologia é um tema do cotidiano. Que a crítica também faça parte do nosso dia-a-dia.

Para saber mais:

Dougher, M. J., & Hackbert, L. (2003). Uma explicação analítico-comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 167-184. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v5i2.79

Silva, E. C., & Laurenti, C. (2016). BF Skinner e Simone de Beauvoir: “a mulher” à luz do modelo de seleção pelas consequências. Perspectivas em Análise do Comportamento7(2), 197-211. https://doi.org/10.18761/pac.2016.009

Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus: Merrill Publishing Company

Zamignani, D., Marcone, R., Vermes J., & Kovac, R. (2012). Psicopatologia. Em M.M.Hubner (Org.), Temas clássicos da psicologia sob a ótica da análise do comportamento, 154-166. Rio de Janeiro: Guanabara. 

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