“Como é possível que o tratamento para minha condição seja justamente fazer mais as coisas que tenho dificuldade em fazer? Você não está entendendo!”
Quando discutimos o funcionamento da terapia comportamental com o paciente deprimido, reações como essa podem ser inicialmente esperadas. Notoriamente, a Terapia de Ativação Comportamental é um modelo de intervenção que busca engajar a pessoa em atividades significativas para sua vida em um momento em que sentimentos de fadiga, desinteresse e desesperança estão em alta.
Apesar de todos os cuidados, como quebrar atividades difíceis em partes menores, preparar uma retomada gradual, escolher estrategicamente por onde começar, treinar habilidades, não é possível esconder ou contornar um fato simples: recuperar-se de um episódio depressivo é difícil. E provavelmente, a cliente já realizou muitas tentativas frustradas antes de chegar até a terapeuta. Contudo, a impressão de que estamos sugerindo algo contraditório ou impossível ao paciente pode ser aliviada ao usarmos (cuidadosamente e de forma contextualizada) auto revelações de nossas próprias dificuldades ou analogias com outras áreas da saúde. Por exemplo, minha capacidade de explicar a lógica da Ativação Comportamental deu um salto qualitativo depois que precisei passar por um longo período de fisioterapia.
Deslocar-me semanalmente para realizar uma série de pequenas tarefas repetitivas, relativamente simples, que me envergonhavam por serem facilmente executadas (sem dor!) por outras pessoas na mesma sala que eu me fez lembrar com uma empatia incrível de uma paciente de anos atrás, que envergonhava-se profundamente da dificuldade que sentia para realizar pequenas atividades do dia-a-dia. Foi uma de minhas primeiras experiências clínicas – eu era uma estagiária que não sabia nada sobre Ativação Comportamental, e não soube ajudá-la à época. Desde então, tenho tido mais sucesso compartilhando minha experiência de fisioterapia para evocar mais autocompaixão em clientes autocríticos que recriminam-se por terem dificuldades em realizar tarefas e resistem, envergonhados, às tentativas da terapeuta de auxiliá-los a exigir um pouco menos de si mesmos. Há algo importante na transformação da compreensão da “dificuldade em realizar tarefas” de um obstáculo infeliz para um sinal de que se está realizando o “esforço correto”.
Quando estamos fisicamente lesionados, buscando a recuperação, precisamos achar um ponto de equilíbrio entre: não ficar parado demais, correndo risco de atrasar a recuperação dos tecidos, e não exigir-se demais, correndo o risco de machucar-se novamente ou machucar outra parte do corpo por compensação. Nesse ponto de equilíbrio, sentiremos que estamos sendo desafiados, vamos gastar energia, suar, chegar perto de perder o equilíbrio, e ficar doloridos no dia seguinte. Com a atividade física, somos instruídos a interpretar essas sensações como sinais de que estamos ficando mais fortes. Algo semelhante deve ocorrer com a psicoterapia – não podemos compactuar com a passividade total do paciente perante a vida, tampouco podemos compactuar com expectativas irrealistas de desempenho, com a pressa de “dar conta de tudo”. Até porque, em vários casos, é a tentativa de dar conta de tudo que coloca o paciente em uma situação depressiva para começo de conversa; como quem corre uma maratona sem preparo prévio e acaba se lesionando.
Já uma contradição que dribla todos os minuciosos cuidados que temos para planejar uma psicoterapia é que: muitas pessoas recuperam-se “espontaneamente” de depressão. O que explica isso? Bem, mudanças circunstanciais na situação de vida de pacientes podem ser responsáveis pela redução de sintomas – sem a necessidade ou o mérito de qualquer intervenção. Em uma perspectiva analítico-comportamental, compreendemos que são uma série de circunstâncias de vida em interação as responsáveis pelo surgimento e manutenção de padrões de comportamento que nomeamos “depressão” – e portanto, mudanças incontroláveis e não-planejadas nessas circunstâncias por vezes podem levar à sua resolução. Não é necessariamente provável, mas é verdade que às vezes todos temos um pouco de sorte, e assim como pioramos, melhoramos.
Sempre nos alegraremos com a melhora das condições de vida dos clientes, mas sabemos que episódios depressivos podem ser recorrentes – uma entrevista inicial cuidadosa irá revelar se esse é o caso. Portanto, caso esse seja algum dia o caso do seu cliente, será importante tomar alguns cuidados. Antes de discutir o prematuro encerramento da terapia, poderá ser importante ajudá-lo a lembrar que fatores possivelmente contribuíram para o surgimento do episódio depressivo mais recente, identificando se parte do problema foi que ocorreram situações com as quais o cliente não apresentou repertório adequado para lidar. Então, pode-se propor trabalhar no desenvolvimento desse repertório, caso pareça provável que situações semelhantes voltem a ocorrer.
De acordo com Quinta (2018), a psicoterapia analítico-comportamental precisa objetivar a aquisição de repertórios relevantes, melhorando a autonomia das pessoas em relação aos ambientes em que vivem. Assim, não sofrerão aos caprichos da sorte e das circunstâncias, mas desenvolverão refinadas habilidades para agir sobre o mundo e modificar suas circunstâncias de vida através de suas ações. Precisamos, então, nos familiarizar e preparar nossas pacientes para o contraditório custo de aprender coisas novas: uma vez aprendidas, facilitarão a nossa vida; mas aprender, geralmente, é um processo com suas inerentes dificuldades.
Referência
Quinta, N. C. C. (2018). Reflexões sobre o estabelecimento de objetivos terapêuticos na clínica analítico-comportamental. Em A. K. C. R. de-Farias, F. N. Fonseca, & L. B. Nery (Orgs.), Teoria e formulação de caso em Análise Comportamental Clínica. Artmed.