Reunir a família para conversar sobre problemas de relação não é fácil e nem agradável. Isso é ainda mais difícil em famílias que não costumam lidar com incômodos a partir do diálogo. Apesar do grande desconforto gerado por essa estimulação aversiva, tal experiência pode nos ensinar muito sobre regulação emocional – se estivermos dispostos a ouvi-la.
Eu cresci em uma família que costuma lidar com seus conflitos e emoções de maneira bastante passiva: simplesmente deixamos a situação passar e agimos como se nada tivesse acontecido. Com o tempo, nos convencemos disso e tudo volta ao normal. É uma estratégia que tem funcionado na maioria das vezes. Mas não todas.
Ainda que seja efetiva em problemas pontuais, a evitação não elimina conflitos que tendem a se repetir. E, por não serem discutidos, não aprendemos a lidar com eles. Ao fingir que algo não existe, buscamos mascará-lo todas as vezes em que ele se repete. Isso é cansativo.
É nesse contexto que decidimos fazer algo diferente. Falar sobre o problema. O impacto não foi pequeno: descobrimos que pouco sabemos sobre a intimidade do outro. Expectativas foram quebradas, incômodos foram mobilizados, e nos encontramos em um lugar onde não podíamos mais fugir. Algo precisava ser feito e, caminhando pelo desconforto (e lágrimas), resolvemos o conflito.
A resolução gerou alguns impactos após a conversa. Primeiro, sentimos alívio e orgulho. Pela primeira vez, lidamos com um problema de maneira extremamente assertiva e coerente com nossos próprios valores como família. O segundo impacto foi um pouco mais desconfortável: após um conflito, precisamos lidar com as emoções que levamos para casa. Apesar da resolução do problema, as emoções não desaparecem instantaneamente. Ficamos mobilizados e reflexivos por algum tempo.
Mobilizados e reflexivos, caímos em ruminações: “O que fazer com as novas informações?”; “Como aliviar essas emoções?”; “Precisamos tomar uma atitude!”.
Paradoxalmente, a melhor atitude que tomamos (nessa situação) foi não fazer nada para resolvê-la, mas algo foi diferente: essa atitude não foi voltada à evitação de emoções. Foi uma decisão deliberada.
Emoções não são chamadas para ação, e nem são problemas a serem resolvidos. São respostas adaptativas do organismo, cuja funções envolvem, geralmente, a sinalização da presença de estímulos e a preparação fisiológica do corpo para determinadas maneiras de agir em dado contexto.
Uma citação de Marsha Linehan (fundadora da Terapia Comportamental Dialética, DBT) pode ser bem útil para demonstrar o processo que buscamos promover no ato de não fazer nada: “Quando somos livres, podemos encarar nossos anseios e desejos e dizer: ‘Não preciso satisfazer vocês’.”.
Retomando o início do texto, volto a dizer (com outras palavras): essa situação – e muitas outras, que acontecem cotidianamente sem que a percebamos – podem nos ensinar muito sobre regulação emocional. Dentre os aprendizados da vez, três podem ser destacados:
1. Conflitos e emoções não precisam ser sempre evitados. Quando nos orientamos pelo que consideramos importante (e não unicamente pelo desconforto), podemos passar por situações desconfortáveis e melhorá-las.
2. Emoções não são chamadas para ação. Podemos senti-las sem ser realmente mobilizados por elas.
3. Quando se trata de emoções, é improvável que uma estratégia seja inteiramente ruim ou boa. Na maioria das vezes, são estratégias que funcionam em contextos específicos (e em outros, não).
A vida acontece nas pequenas e contínuas situações em que nos inserimos. Observando essas pequenas situações, aprendemos sobre o contexto, emoções, nós mesmos e a própria vida.
Sugestões de leitura
Ferreira, T. A. (2023). Construindo Flexibilidade Psicológica: O Método das Narrativas Funcionais. São Paulo: NDD Media.
Ferreira, T. A. (2021). Terapias contextuais comportamentais: Análise funcional e prática clínica. Santana de Parnaiba: Editora Manole.
Hayes, S. C. (2020). A liberated mind: How to pivot toward what matters. New York: Avery.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. São Paulo: Artmed Editora.
Linehan, M. (2010). Terapia Cognitivo-Comportamental para Transtorno da Personalidade Borderline: Guia do Terapeuta. São Paulo: Artmed Editora.
Linehan, M. (2017). Treinamento de Habilidades em DBT: Manual de Terapia Comportamental Dialética para o Terapeuta. São Paulo: Artmed Editora.
McKay, M., Wood, J. C., Brantley, J. (2023). Terapia comportamental dialética: Livro de atividades. Editora Sextante.