À luz da ciência: quais os efeitos das dietas restritivas aplicadas ao TEA?

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Na hora de selecionar as intervenções para o Transtorno do Espectro Autista (TEA), para alguns pais, quanto mais diversificado for o número de intervenções que o filho possa ter acesso, melhor será para o seu desenvolvimento. Seja no modelo de terapia, ou mesmo na adoção de dietas especializadas. Para alguns, o importante é não deixar nada de fora.

E apesar da popularização de diversas práticas, como o gluten-free (livre de glúten), ainda há um vasto caminho a ser percorrido na validade científica desses tratamentos, que carecem de evidências sólidas e, por vezes, podem ser potenciais riscos à saúde.

Frequentemente, se popularizam algumas causas do TEA que são propositalmente traduzidas em tratamentos, para depois serem propagadas para os familiares, mesmo que não haja comprovação de que seja a causa do autismo, e tampouco tenham evidências suficientes sobre a sua eficácia e segurança (Heflin & Simpson, 1998; Metz, Mulick, & Butter, 2005). Entre as inúmeras teorias sobre as possíveis causas, uma ganhou notoriedade entre a comunidade: a Teoria do Excesso de Opioides, proposta inicialmente por Panksepp, em 1979.

Imagem com a palavra ‘’Gluten Free’’ no centro e vários tipos de pães e biscoitos ao redor
Foto: Divulgação/Freepik

De acordo com esta teoria, algumas pessoas sofrem com a produção inadequada de enzimas digestivas, relacionadas ao glúten e caseína (proteína encontrada no leite). Dada a ausência de níveis adequados de enzimas digestivas, há uma falha dos peptídeos (derivados do glúten e da caseína) em se tornarem aminoácidos em grande quantidade. Isso produz um aumento da permeabilidade intestinal e permite que os peptídeos vazem para a corrente sanguínea. Esse processo estaria relacionado aos sintomas do TEA (Mulloy, Lang, O’Reilly, Sigafoos, Lancioni & Rispoli, 2010).

À vista desta teoria, o que os estudos científicos podem concluir?

Pessoas com TEA devem começar imediatamente dietas especializadas sem glúten ou caseína?

Bem, os estudos atuais são escassos e demonstram grandes limitações em sua qualidade, impedindo que possamos tirar qualquer conclusão (Mulloy et al., 2020). Além disso, outros pesquisadores (e.g., Berni, Ruotolo, Discepolo, & Troncone, 2008; Zopf, Baenkler, Silbermann, Hahn, & Raithel, 2009) concluíram que os estudos publicados até o momento não apoiam o uso de dietas sem glúten e sem caseína no tratamento do TEA. Também atestam que, até que evidências conclusivas sejam encontradas (em apoio às dietas sem glúten e caseína), apenas pessoas com alergia ou intolerância alimentar devem implementar estas dietas restritivas.

Segundo Arnold e colaboradores (2003), a dieta sem glúten e caseína também foi associada a riscos à saúde. Os autores constataram que crianças com TEA que faziam dietas restritivas tinham maior probabilidade de terem deficiências nutricionais. Além disso, Hediger (2008) também realizou uma pesquisa com um grupo de 75 meninos que faziam dietas sem caseína, verificando que apresentavam uma redução da espessura cortical óssea. Embora o estudo não tenha avaliado a ingestão de cálcio e vitamina D, é importante avaliar o impacto que as dietas têm no desenvolvimento infantil.

Portanto, à luz da ciência e com base nos resultados até este momento, não há evidências suficientes para apoiar a teoria do excesso de opioides nem a prescrição de dietas para crianças que não apresentem nenhuma alergia alimentar. Além disso, o acompanhamento médico e da equipe multidisciplinar são basilares para uma orientação adequada e coerente com a literatura científica disponível (Mulloy, Lang, O’Reilly, Sigafoos, Lancioni & Rispoli, 2010).

Por fim, para que profissionais capacitados passem a apoiar o uso terapêutico de dietas e evitação de componentes que causem alergias e irritações, será necessário que suficientes pesquisas futuras de alta qualidade e metodologicamente coerentes (ou seja, ensaios clínicos randomizados controlados) sejam realizadas para determinar os supostos benefícios que hoje vemos amplamente descritos em redes sociais.

Até lá, que possamos estar à luz da ciência.

Para mais informações, acesse o Instagram: @psiluanascimento

Para saber mais:

Mulloy, A., Lang, R., O’Reilly, M., Sigafoos, J., Lancioni, G., & Rispoli, M. (2010). Gluten-free and casein-free diets in the treatment of autism spectrum disorders: A systematic review. Research in Autism Spectrum Disorders4(3), 328-339. https://doi.org/10.1016/j.rasd.2009.10.008

National Autism Center. (2015). Findings and conclusions: National standards project, phase 2. Randolph, MA. https://www.autismdiagnostics.com/assets/Resources/NSP2.pdf

Steinbrenner, J. R., Hume, K., Odom, S. L., Morin, K. L., Nowell, S. W., Tomaszewski, B., … & Savage, M. N. (2020). Evidence-Based Practices for Children, Youth, and Young Adults with Autism. FPG child development institute. https://ncaep.fpg.unc.edu/sites/ncaep.fpg.unc.edu/files/imce/documents/EBP%20Report%202020.pdf

Escrito por:

Luana Nascimento

Graduada em Psicologia (FAT); Pós-graduanda em Análise Comportamental Clínica (IBAC); Formação em Análise do Comportamento Aplicada (FAT); Formanda em Sexualidade Clínica (CRESCER); e Integrou a participação na Revista Poliglosa sobre práticas culturais feministas (Nuremberg, Alemanha).

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