“Manhêê! Foi ele quem começou!”: os conflitos entre irmãos

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É compreensível a existência de conflitos quando convivem juntas sob um mesmo teto duas ou mais pessoas com diferentes identidades, gostos e desejos. No caso de irmãos, esses conflitos podem vir com a roupagem de discussão, brigas físicas ou até mesmo com o surgimento do sentimento de ciúme: há disputa para quem fica com o maior pedaço de bolo, quem joga primeiro no videogame, quem se senta do lado da vovó no almoço, quem escolhe primeiro o desenho na televisão e quem primeiro irá brincar ou receber chamego da mamãe e do papai. Os conflitos podem iniciar, inclusive, quando irmã ou irmão ainda está na barriga da mãe. Nesse caso, o mais velho pode apresentar alguns comportamentos desafiantes para os cuidadores como forma de expressar sentimentos conflituosos, possivelmente pela incerteza de como sua vida irá mudar durante a gestação e depois do nascimento e pelo medo do amor dos pais agora ser dividido e não multiplicado. Dependendo de como os conflitos são mediados e conduzidos, mesmo que pareça contraintuitivo, esses momentos podem ser grandes oportunidades de aprendizado para todos da casa.

Os conflitos, presentes na vida de todos independentemente da faixa etária, podem gerar momentos importantes para o conhecimento de valores importantes para o desenvolvimento de uma criança, como a paciência, empatia, respeito, partilha e cooperação. Na diferença com o outro, a criança pode aprender a regular o sentimento de frustração ao entender que, em situações sociais, nem tudo sempre sairá como deseja ou que somente suas escolhas importam ou são validadas. Em complemento, nesses momentos, há oportunidade para compreender e respeitar o ritmo de aprendizagem do outro, bem como suas escolhas e forma de brincar, sem se sentir prejudicado nesse processo de interação ao também participar.

Com a mediação e condução dos responsáveis, diferentes atividades podem incentivar os valores mencionados, nas quais irmãos podem se engajar. Algumas delas são:

  • Brincar da mesma brincadeira, mas com objetivos diferentes. Exemplos: ao brincar com o quebra-cabeça, um pode ficar responsável por montar as bordas e, o outro, por virar as pecinhas para cima; ao brincar de desenhar ou pintar, um fica com a parte do desenho e o outro com a pintura; na massinha, um fica responsável por fazer os animais e o outro com as plantas e a paisagem etc;

  • Brincar de coisas prazerosas em que todos os irmãos estejam incluídos da mesma maneira, sem desconsiderar um ou outro. Exemplos: pique-esconde, pique-pega, fazer massagem um no outro etc;

  • Na situação de alguma briga, a condução pode ser para que eles mesmos encontrem uma solução, auxiliando na resolução do problema somente quando necessário, ouvindo os dois lados da história para a solução ser justa.

Essas atividades suscitam a valorização das diferenças entre um e outro, o respeito do espaço de cada um, cooperação, além dos desejos de todos serem considerados, sem que ninguém fique ou se sinta prejudicado.

Mais algumas possibilidades:

  • Um irmão de cada vez escolher uma brincadeira preferida e todos terem que brincar juntos;
  • Escolher qual(is) brinquedo(s) se sente confortável em emprestar ao outro e quais prefere não compartilhar;
  • Revezar o tempo de brincadeira com um determinado brinquedo/objeto, realizar trocas de brinquedos e outros combinados.

Esses formatos pretendem ensinar os irmãos esperarem sua vez, a considerarem o outro e desenvolver a noção de divisão com o outro.

Continuando:

  • Separar um momento e brincar um de cada vez com os responsáveis. Exemplos: andar sobre os pés do pai/mãe/outro responsável (a criança sobe em cima dos pés do adulto e este pode brincar dançando ou andando pela casa de modo divertido), serra-serra, cavalinho, ver álbum de fotos da família, brincar de algum joguinho de tabuleiro etc;

Essa proposta assegura que todos os irmãos sintam que possuem atenção de qualidade de seus cuidadores, sem buscar esse momento por meio de brigas ou outros comportamentos indesejáveis.

Em relação ao irmão que ainda está na barriga, as atividades são um pouco diferentes, voltadas para a relação da criança com os seus cuidadores.

  • No momento de contar que um novo membro da família irá chegar, os cuidadores podem optar por fazer isso em um momento tranquilo com a criança, em que todo o núcleo familiar esteja presente. Os cuidadores podem, por exemplo, selecionar algum álbum de fotografia da criança ainda na barriga e relembrá-la de como foi prazeroso para todos da família em saber que ele iria chegar: todo mundo fez festa, vários parentes ligaram para saber sobre ele etc. Então, há possibilidade de contar, com muita alegria e sem receios, que um irmãozinho está também crescendo em uma barriga, como ele cresceu também. Nisso, os cuidadores podem convidá-la a ligar e contar para as pessoas e familiares sobre a novidade e levá-la ao ultrassom para que ela possa ver o bebê se mexendo, ouvir o seu coraçãozinho batendo etc;

  • Com o intuito da criança se sentir participante da gestação e não somente uma expectadora do processo, os cuidadores podem pedir opinião de nomes para o irmãozinho. Além disso, podem instigá-la a discutir do que ela e o novo membro poderão brincar juntos com os seus brinquedos; quando poderão tocar algum instrumento juntos; o que a criança poderia ensinar o irmãozinho a fazer; se ela gostaria de conversar/cantar/contar história para a barriga que o bebê está, com o intuito do irmãozinho nanar e já conhecer a sua voz;

  • Na intenção de construir uma relação de cuidado e amor com o novo integrante, os cuidadores podem dar ideias à criança para que ela faça um desenho do irmão e desejando boas-vindas ao irmão e pregar o desenho futuramente na porta do quarto do bebê; pedir para ela escrever uma mensagem carinhosa para o irmão na barriga; fazer um vídeo deixando um recado para o irmão assistir futuramente etc.

Também é importante apresentar oportunidades para a criança expressar o que está sentindo com a notícia e tirar quaisquer dúvidas ou curiosidades sobre o processo gestacional, além de ter um mínimo de previsibilidade de como a rotina dos membros da casa poderá se alterar durante e após a gestação.

Por exemplo, durante a gestação, haverá momentos que os cuidadores passarão a ir mais vezes para médicos e a mãe evitará alguns exercícios que antes costumava fazer; após o nascimento, terá momentos que a mãe irá se ausentar para amamentar o bebê, os familiares vão ligar, tirar várias fotos e visitar a casa com uma certa frequência – mas que ela estará presente em tudo.

Como visto, há inúmeras possibilidades de prevenir prejuízos de conflitos e extrair o que mais de positivo eles podem gerar: oportunidades para o aprendizado da paciência, empatia, respeito, partilha, cooperação com o outro, valorização das diferenças, do espaço de cada um, da espera e da divisão de pertences e do tempo para um momento de qualidade.

Por fim, a dica de livro infantil sobre brigas entre irmãos é o “Charlie e Lola: Levemente Invisível”. Boa leitura!

Para mais dicas, visite o Instagram @guiapraticodospequenos 🙂

Escrito por:

Amanda Viana dos Santos

Psicóloga pela PUC Goiás e mestra e doutoranda em Análise do Comportamento pela UEL. Docente no curso de Formação em Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC. Gerencia o Instagram @guiapraticodospequenos

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