Antes de discorrer sobre o “bem estar pessoal” a que me proponho neste texto, quero apresentar uma questão inicial: Por que recorrer a uma análise comportamental? Em resposta a esta questão, gostaria de compartilhar um raciocínio a respeito da compreensão dos fenômenos humanos.
Os eventos psicológicos podem ser facilmente tratados enquanto substâncias, assim como também podem facilmente se tornar abstratos, hipotéticos e especulativos; ou seja, palavras que não encontram correspondência em eventos apreciáveis aos sentidos humanos. Adotar uma análise substancialista acerca dos eventos psicológicos gera problemas; por exemplo, se o evento psicológico sentir-se bem consigo mesmo ou bem estar pessoal está localizado dentro do indivíduo, onde existe? Dentro do cérebro? Em qual parte do corpo? É possível acessá-lo?
Nesse sentido, caímos novamente na hipótese e na especulação verbal porque os eventos psicológicos não são objetos localizáveis. São, na verdade, fenômenos fluidos que se manifestam como cascata. Como definiu Skinner (1953, p. 16) o comportamento “[…] é um processo, e não uma coisa, não pode ser facilmente imobilizado para observação. É mutável, fluido e evanescente…” Bom, então como produzir fenômenos psicológicos?
Uma análise comportamental se difere da perspectiva substancialista e propõe uma análise dos fenômenos psicológicos enquanto interações do indivíduo com seu ambiente. Nessa perspectiva, podemos perguntar: “Em quais situações uma pessoa declara que está se sentindo bem com si mesma?” ou “Quais eventos levam à sensação agradável do indivíduo com sua própria presença?”. Nesse ponto, abandonamos a tentativa de descrever substâncias psicológicas e passamos a descrever a correlação entre eventos observáveis, ou seja, eventos perceptíveis aos sentidos. Ao descrever correlações entre eventos, estamos produzindo ciência – aqui entendida enquanto descrição de correlações entre fenômenos da natureza de maneira útil, ou seja, que permitem a resolução de problemas humanos (Baum, 2006).
Quero agora apresentar minhas considerações a respeito do bem estar pessoal, com o objetivo de favorecer seu raciocínio sobre este assunto, mas sem o intuito de esgotar a discussão a respeito deste tema. Imagino que todas as pessoas desejem se sentir bem em ser quem são, como são, o que são. Se sentir confortável com sua própria presença parece oferecer vantagens óbvias. Mas, o que significa estar bem consigo mesmo?
Em alguns momentos, o “bem estar pessoal” parece sugerir uma espécie de autossuficiência, uma atitude individual e interna capaz de promover a satisfação própria. Essa perspectiva individualista da psicologia, da saúde e do adoecimento mental é típica de nossa cultura ocidental (Tourinho, 2009). Entretanto, ao considerarmos uma perspectiva interacionista para os eventos psicológicos, estamos admitindo que o “bem estar” e o “mal estar” de um indivíduo está sempre condicionado a eventos que aconteceram ou estão acontecendo nos ambientes físico ou social em que o indivíduo interage, no presente ou em sua história de vida.
Podemos compreender o bem estar pessoal enquanto satisfação de necessidades. Um indivíduo que está sem alimento durante horas e dias, ou então, que experimenta insegurança alimentar por não possuir uma fonte confiável de alimentos, certamente não se sente bem. Podemos dizer o mesmo a respeito de alguém que não tem roupas ou moradia adequadas para se proteger das condições climáticas, como o frio, a chuva e o calor. Essa pessoa certamente experimenta sensações de insatisfação. Isso é válido também para a qualidade do sono e o acesso à água potável; prática de atividades físicas, tempo dedicado a atividades de prazer, lazer e diversão; expressão sexual; afeto, empatia e compreensão. Marshall Rosenberg (2019) apresenta um exemplo de lista de necessidades básicas comuns a todos nós, agrupadas em grandes áreas como Autonomia, Celebração, Integridade, Interdependência, Cuidados Físicos, Lazer e Comunhão Espiritual.
Podemos também considerar o “bem estar pessoal” enquanto autoestima, ou seja, valor atribuído a si mesmo. Dizemos que uma pessoa tem boa autoestima quando ela atribui um valor positivo a respeito de si mesma e de suas realizações; de maneira oposta, dizemos que uma pessoa tem baixa autoestima quando ela direciona para si mesma e para suas ações avaliações negativas. A autoestima, por sua vez, não é substância; é também resultado de processos de interação do indivíduo com seu ambiente. Nesse caso, mais especificamente, é o resultado das interações do indivíduo com seu ambiente social. A autoestima é uma disposição para agir em relação ao mundo externo e, também, uma disposição para agir em relação a si mesmo. Como muito bem definiu Hélio José Guilhardi (2002):
“A autoestima é o produto de contingências de reforçamento positivo de origem social. Assim, sempre que uma criança se comporta de uma maneira específica, e os pais a conseqüenciam com alguma forma de atenção, carinho, afago físico, sorriso (cada uma dessas manifestações por parte dos pais pode ser chamada de reforço social generalizado positivo ou conseqüência positiva), estão usando contingências de reforçamento positivo, estão gratificando o filho. Por outro lado, toda vez que uma criança se comporta e os pais a repreendem, a criticam, se afastam dela, não a tocam, nem conversam com ela (cada uma dessas manifestações por parte dos pais pode ser chamada de estímulo aversivo ou conseqüência negativa), estão usando contingências coercitivas ou punindo o filho. A primeira condição aumenta a autoestima, a segunda a diminui.“
(Guilhardi, 2002, p.52)
Essas interações sociais que oferecem reforçamento positivo, como descrito no trecho acima, favorecem não apenas que o indivíduo se comporte de uma maneira adequada; essas interações promovem a modelagem da própria interação do indivíduo com si mesmo. É perceptível que pessoas com história de vida marcada por excessivo controle coercitivo, indiferença, intolerância e violência tendem a se comportar de maneira semelhante consigo mesmas. Por outro lado, indivíduos que recebem acolhimento, compreensão e empatia como consequências de sua forma de ser, tendem a desenvolver um relacionamento mais compassivo, tolerante e carinhoso a respeito de si mesmos. Esse componente de auto compaixão parece relevante para estabelecer uma experiência de satisfação, conforto e bem estar com sua própria presença.
Dentro dessa perspectiva, o “bem estar pessoal” se afasta cada vez mais de um empreendimento individualista que pretende estabelecer a autossuficiência. Na verdade, ao admitir nossa interdependência com o ambiente físico e, principalmente, com o ambiente social, estamos mais aptos a atender nossas necessidades e produzir relações mais satisfatórias com nós mesmos e com as outras pessoas. Estar bem consigo mesmo, então, é relacionar-se bem com o mundo. Ou seja, estar sensível aos contextos que você participa e ser sensível a si mesmo a fim de estabelecer relações capazes de gerar sentimentos de pertencimento, autovalorização, respeito mútuo, auto expressão e acesso aos bens necessários para cada um.
De maneira mais ampla, neste texto falo sobre práticas de autocuidado, ou práticas de cuidado em saúde mental de forma generalista; mas, certamente, você, leitor e leitora, conhece algumas práticas específicas da sua história de vida que ajudam você a se sentir bem consigo mesma. Vale a pena investir um tempo em auto observação. Pergunte-se: o que estou precisando nesse momento? O que está acontecendo em minha vida quando eu me sinto bem comigo mesmo? Onde estou? Com quem estou? Como as pessoas reagem a mim? Esse autoconhecimento pode ser valioso para você produzir o seu bem estar pessoal.
Referências
Baum, W. M. (2006). Compreender o Behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Capítulo 2 – O Behaviorismo como filosofia da ciência. Porto Alegre: Artmed.
Guilhardi, H. J. (2002). Autoestima, Autoconfiança e Responsabilidade. Em Comportamento Humano – Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conte, S. M. B. Mezzaroba (orgs.). Santo André, SP: ESETec Editores Associados.
Rosenberg, M. (2019). Vivendo a Comunicação Não Violenta. Rio de Janeiro: Editora Sextante.
Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Tourinho, E. Z. (2009). Subjetividade e Relações Comportamentais. 1a ed. São Paulo: Paradigma .