Na psicologia clínica, muitas abordagens ainda se baseiam em diagnósticos e tentam “consertar” comportamentos considerados problemáticos, como crises emocionais, isolamento, uso excessivo de telas ou autolesão. Mas e se a gente mudasse a pergunta?
E se, no lugar de focar no que está errado, a gente perguntasse: “Que alternativas reais essa pessoa tem?” ou “O que ela gostaria de fazer diferente na sua vida?”
Essa é a proposta da abordagem construcional, criada por Israel Goldiamond, um importante pesquisador da área da Análise do Comportamento.

Uma outra forma de ver os comportamentos
A ideia central da abordagem construcional é simples, mas poderosa: em vez de tentar eliminar comportamentos, a gente busca construir novas possibilidades. Por exemplo, em vez de perguntar “como parar esse comportamento?”, perguntamos: “como podemos criar novos caminhos que façam mais sentido para essa pessoa?”
Isso significa entender que, muitas vezes, o comportamento que parece “errado” é, na verdade, a melhor solução que a pessoa encontrou até agora para lidar com uma situação difícil. O papel do terapeuta é ajudar a pessoa a encontrar outras formas de viver, com mais bem-estar e mais autonomia.
Um exemplo prático
Imagine uma adolescente que evita interações sociais e prefere ficar isolada. Uma abordagem tradicional pode tentar forçar essa exposição, fazendo ela interagir aos poucos.
Já a abordagem construcional pergunta:
- Onde ela se sente mais segura para estar com outras pessoas?
- Que tipo de interação faz sentido para ela hoje?
- O que está faltando em sua vida que poderia tornar essas interações mais reforçadoras (agradáveis, interessantes, recompensadoras)?
Com isso, o foco não é forçar mudanças, mas ampliar as possibilidades reais de escolha e ação.
Uma abordagem transdiagnóstica
A proposta construcional é considerada transdiagnóstica, ou seja, ela não se prende a rótulos como “depressão” ou “transtorno de ansiedade”. Em vez disso, ela busca entender os processos comuns que mantêm o sofrimento, independentemente do nome dado a ele.
Isso quer dizer que, em vez de seguir protocolos fixos para diferentes diagnósticos, o terapeuta analisa o que mantém o comportamento atual e o que pode ser feito, naquele contexto específico, para criar alternativas mais saudáveis e funcionais.

Terapia Baseada em Processos (TBP)
Essa forma de pensar combina muito bem com a chamada Terapia Baseada em Processos (TBP), um movimento recente da psicologia que propõe tratamentos mais flexíveis, personalizados e baseados em evidências. Em vez de seguir modelos engessados por diagnóstico, as TBPs procuram entender:
- O que está por trás do sofrimento daquela pessoa?
- Quais são os padrões que ela repete?
- Quais são os reforçadores e valores que podem ser trabalhados?
A abordagem construcional é compatível com essa lógica, ao propor que o foco do tratamento seja ajudar a pessoa a construir repertórios novos, alinhados com o que ela valoriza — e não apenas controlar sintomas.
Uma abordagem que vai além dos rótulos
Muitas vezes, problemas como ansiedade, depressão ou fobias são agrupados em diagnósticos. A abordagem construcional propõe olhar além desses rótulos, investigando os processos que mantêm o sofrimento e o que pode ser feito para transformá-lo.
Essa forma de pensar combina com o que chamamos de Terapia Baseada em Processos: busca entender o que está acontecendo com cada pessoa, e adaptar a intervenção de forma única, sem seguir um modelo engessado.
Ferramenta prática: o Questionário Construcional
Uma das ferramentas que ajuda a colocar essa abordagem em prática é o Questionário Construcional. Com ele, o terapeuta e a pessoa atendida conseguem:
- Identificar o que mantém o comportamento atual;
- Descobrir o que realmente importa para aquela pessoa;
- Criar, juntos, planos de ação baseados em seus valores, metas e possibilidades reais.
É uma forma colaborativa de construir intervenções mais humanas e eficazes.
Conclusão: da supressão à construção
A abordagem construcional é um convite a mudar a forma como enxergamos o sofrimento humano. Em vez de controlar sintomas, ela nos convida a construir novos caminhos, respeitando a dignidade, as escolhas e o contexto de cada pessoa.
Essa proposta é especialmente útil em tempos em que a psicologia busca ser mais flexível, inclusiva e centrada na pessoa — sem perder o rigor científico. O trabalho de Goldiamond segue atual e inspirador para quem deseja uma clínica mais ética, potente e verdadeiramente transformadora.
Referências
Goldiamond, I. (2002). Toward a constructional approach to social problems: Ethical and constitutional issues raised by applied behavior analysis. Behavior and Social Issues, 11(2), 108–197. https://doi.org/10.5210/bsi.v11i2.89
Layng, T. V. J., Andronis, P. T., Codd III, R. T., & Abdel-Jalil, A. (2021). Nonlinear Contingency Analysis: Going Beyond Cognition and Behavior in Clinical Practice. Routledge.
Como citar este artigo (APA):
Fonseca, S. A. (2025, 14 de novembro). E se, em vez de “consertar”, a gente ajudasse a construir? Blog do IBAC. https://ibac.com.br/e-se-em-vez-de-consertar-a-gente-ajudasse-a-construir/


