Em psicoterapia, nós, psicólogos, desejamos profundamente ajudar nossos pacientes/clientes/consulentes (existem muitas palavras para se referir à pessoa atendida -risos!-) a enfrentarem seus desafios pessoais. Nessa busca, não é incomum o uso de ordens, regras e pedidos que inadvertidamente podem ter um efeito contraproducente.
O uso de reforço arbitrário e reforço natural é uma preocupação antiga para as Ciências do Comportamento (Ferster, 1967, 1972) e um aspecto importante na relação terapêutica salientado pela Psicoterapia Analítica Funcional (FAP; Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). Em experimentos de laboratório, com animais não humanos, o reforço arbitrário não parece ser um problema. Entretanto, seu uso em psicoterapia, especialmente com pessoas verbais, adolescentes e adultos, pode se tornar problemático. É preferível promover o reforçamento natural.
O reforço arbitrário tem função de mando. A presença de mandos é comum na vida diária, faz parte das relações naturais. Entretanto, é necessário cautela em seu uso na relação terapêutica, tendo em vista que o uso de mandos geralmente beneficia aquele que manda, e, na psicoterapia, o principal beneficiário é a pessoa atendida. Além disso, o uso excessivo de mandos gera uma relação de hierarquia – em que o terapeuta dá o comando e o cliente atende -, podendo gerar uma relação de dependência. Caso o comando não seja atendido, gera sensação de fracasso e frustração, favorecendo a esquiva e a desistência. É preferível privilegiar o uso de tatos a fim de proporcionar uma relação horizontal e favorecer a autonomia do cliente.
1. O reforço arbitrário seleciona apenas uma estreita classe de respostas, tendo em vista que o mando é reforçado por uma resposta específica. Costuma gerar uma relação de exigência e favorece a esquiva do paciente. Por exemplo, no caso de ensinar o hábito da leitura, pode ser contraproducente punir a leitura de uma HQ (história em quadrinhos) porque a única resposta aceita é a leitura de literatura brasileira clássica exigida no currículo da escola. Ao privilegiar a exigência do controlador (aquele que manda), é negligenciado o reforço natural que existe no prazer de ler uma HQ e que beneficia o leitor.
2. O reforço arbitrário pode desconsiderar o repertório atual do cliente, punindo tentativas iniciais com a prerrogativa de que só será suficiente quando atingir as exigências do controlador.
3. O reforço arbitrário pode impedir a generalização dos ganhos clínicos, tendo em vista que a disponibilidade do reforço é restrita e não será mantida pelas contingências do ambiente natural.
Na relação terapêutica, o reforço arbitrário oferecido pelo terapeuta geralmente aparece como reações desproporcionais ou exageradas aos progressos do paciente, recompensas incomuns para parabenizar o cliente e exigências no cumprimento de tarefas. No caso de adolescentes e adultos verbais, o reforço arbitrário pode ter o efeito contrário, tendo em vista que as reações do terapeuta perdem credibilidade na relação com o cliente; podem gerar a sensação de manipulação e favorecer o contra controle (esquivas, evitação).
Na relação terapêutica devemos priorizar o reforço natural; ou seja, as consequências reforçadoras naturais produzidas pelo comportamento do cliente. Utilizando as palavras de Kohlenberg & Tsai (1991/2001, p.14): “O reforço natural é diferente do reforço arbitrário por fortalecer uma ampla classe de respostas, por ter em consideração o nível de habilidade da pessoa, por beneficiar primariamente a pessoa sendo reforçada ao invés da pessoa que proporciona o reforço e por ser típico de ocorrência comum no ambiente natural.”
Uma pergunta que pode ajudar a escolher as consequências reforçadoras naturais para os progressos do cliente é: “Para este comportamento em particular, qual seria o reforçamento mais provável no ambiente natural?” (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001, p.13).
A resposta mais provável pode ser encontrada na sua própria experiência com o cliente, tendo em vista que a relação terapêutica (ações do terapeuta) ganham valor reforçador. Talvez seja demonstrar minha felicidade com os avanços do cliente, já que, quando ele me conta essas coisas, fico feliz. Ou então, me revoltar junto com o cliente, já que, quando ele me conta de uma série de abusos, também me sinto revoltado.
Referências
Ferster, C. B. (1967). Arbitrary and natural reinforcement. The Psychological Record, 17(3), 341.
Ferster, C. B. (1972). Clinical reinforcement. Seminars in Psychiatry, 4(2), 101–111.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. ESETec.