Como me tornei pesquisadora

Compartilhe este post

Em junho de 2025 participei, com a colega Dra. Ana Terra, de uma mesa redonda no II Encontro Goiano de Formação de Terapeutas, a convite das psicólogas Luciana Marin (responsável pela mediação), Fernanda Carolina, Lanussy Lira e Sarah Tolentino. A mesa tinha o tema “O lugar da pesquisa básica na clínica socialmente engajada”. Fui tão bem recebida, e a discussão foi tão interessante, que resolvi trazer minhas reflexões para o Blog do IBAC.

A primeira pergunta foi sobre a minha trajetória e como me tornei pesquisadora básica.

Talvez pareça que eu somente comecei na pesquisa básica quando fui coletar dados com pombos durante o Doutorado, no laboratório do Dr. Armando Machado, em Portugal. Na Universidade do Minho, co-orientada pelo Dr. Marco Vasconcelos, investiguei processos comportamentais básicos. Realizei uma série de estudos comparativos sobre como algumas variáveis podem influenciar a percepção da passagem do tempo (duração de milisegundos a segundos) de não humanos e humanos, o tipo de fenômeno que observamos nas nossas vidas diárias:

“Nossa, essa aula tá muito chataaa. Só passaram 30 minutos?! Parece que já passaram 3 horas!”

“Uau, já são 3 horas da manhã?! Esta festa está tão divertida, nem senti o tempo passar, achei que ainda era meia noite.”

Estátua na Sibéria criada pelo escultor Andrew Kharkevitch lembra os ratos sacrificados em nome da ciência

No sanduíche na Universidade da Columbia, sob orientação do Dr. Peter Balsam, observei processos semelhantes em camundongos, ali também com acesso a imagens dos cérebros dos nossos “heróis da ciência”.

Mas, olhando para trás, eu já me vejo como pesquisadora básica desde a graduação em Psicologia. Na Universidade de Brasília (UnB), tive o privilégio de realizar algumas disciplinas de Análise do Comportamento e conduzir muitas e muitas pesquisas, com coleta de dados, em várias áreas (agradecimento especial ao apoio dado pela professora Dra. Raquel Melo).

Ao me tornar aluna bolsista de Iniciação Científica, sob orientação da Dra. Elenice Hanna, fiz parte da INCT-ECCE e já comecei a participar de disciplinas da Pós-graduação da UnB, com os alunos de Mestrado e Doutorado do departamento de Processos Psicológicos Básicos. Com essa bolsa, pesquisei processos de aprendizagem de estímulos musicais (partitura, desenho de instrumento, sons) e de leitura e escrita (palavras e sílabas, digitadas e seus sons correspondentes). Como o interesse era nos processos básicos da aprendizagem da relação entre estímulos arbitrários, não me considerava uma pesquisadora aplicada e sim básica.

Ainda na graduação, eu estive em uma das últimas turmas a fazer aula de Análise Experimental do Comportamento com aula prática no laboratório, com ratinhos vivos. Essa experiência com certeza me marcou e alterou o rumo da minha carreira. Decidi que ia fazer o Mestrado no Brasil para me organizar e depois tentar um Doutorado fora. Na época, o Departamento de Psicologia da UnB tinha passado por reforma e ainda estávamos sem laboratório com animais.

No Mestrado, o tema da minha pesquisa foi (re)combinação de repertórios, específicamente, investiguei o efeito do ensino de golpes de Taekwondo sobre o desempenho em luta simulada. Mas, novamente, fora meu gosto pelo Taekwondo, eu sempre considerei como mais um contexto qualquer para fazer pesquisa. O interesse real era em processos básicos de aprendizagem, mais do que em contribuir para o ensino da arte marcial. Podia ter sido dança, podia ter sido música, podiam ter sido comportamentos sem nenhum significado cultural ou social, como dar um pulo ou levantar a mão. Eu queria mesmo saber qual é o mínimo de repertório que precisava ser ensinado para que uma pessoa passasse a combinar ou recombinar diferentes ações. 

Assim, a linha que divide os tipos de pesquisa talvez seja mais tênue do que possa parecer nos livros-texto que lemos na faculdade.

Hoje eu trabalho principalmente com pesquisa clínica/translacional e, como docente, minha paixão é ministrar as disciplinas de Metodologia e de Princípios de Análise do Comportamento. Meu objetivo é mostrar como aprender os processos básicos, descobertos através de pesquisa básica, é essencial para ter um olhar clínico muito mais refinado e aumenta a capacidade de tomar decisões clínicas com mais confiança – eu sei porquê eu estou usando uma determinada técnica terapêutica naquele momento com aquele cliente em particular.

Se quiser saber mais ou conversar comigo, pode mandar uma mensagem para @dra.recambraia.

Como citar este post (APA):

Cambraia, R. (2025, 5 de setembro). Como me tornei pesquisadora. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/o-lugar-da-pesquisa-basica-na-clinica-socialmente-engajada-parte-i/

Escrito por:

Renata Cambraia

Editora do blog. Coordenadora de Pesquisas e Publicações no IBAC. Doutora em Psicologia pela Universidade do Minho, Portugal.

Inscreva-se em nossa Newsletter

Receba nossas atualizações

Comentários

Posts recentes

prática baseada em evidências

E se, em vez de “consertar”, a gente ajudasse a construir?

Na psicologia clínica, muitas abordagens ainda se baseiam em diagnósticos e tentam “consertar” comportamentos considerados problemáticos, como crises emocionais, isolamento, uso excessivo de telas ou

Atendimento via WhatsApp

Obrigado pelo feedback

Sua opnião é muito importante para nós!