Imagine que a você foi dada a tarefa de coletar água da chuva em baldes. Essa é a sua missão de vida. Então, sempre que começa a chover, você pega seu baldinho e começa a correr pela chuva o mais rapidamente que consegue para coletar a maior quantidade de chuva possível. Em um determinado dia, seu balde está vazio, e você olha para o céu torcendo por mais chuva. Quando a chuva começa, você fica feliz, animada, mas por um momento, percebe que o balde não está enchendo na velocidade que você gostaria.
Ao seu redor, as pessoas que também correm pela chuva têm baldes de diferentes tamanhos. Alguns parecem maiores que o seu e alguns estão transbordando.
Você olha para o seu balde e nota que ele está quase cheio. Logo você pensa: Ahh, se eu tivesse um balde maior, caberia mais água.
Então você busca um novo balde maior e transfere a água do seu primeiro balde para o novo balde. Mas agora, toda a água que você já tinha coletado corresponde a apenas a metade do novo balde.
E você continua correndo para encher o novo balde maior.
Conseguiremos encontrar o sutil equilíbrio entre querer mais e estar satisfeito?
Na clínica essa é uma questão constante. Muitas das pessoas que atendo relatam que estão sempre na busca por algo, que nem elas sabem exatamente o que é. Assim que terminam uma reforma, já pensam em trocar de apartamento; quando voltam de uma viagem, já começam a planejar a outra; quando perdem aqueles 3 quilinhos indesejáveis para o verão, já começam a pensar em perder mais 3; iniciam um relacionamento com uma pessoa legal, mas ficam indecisas se é realmente essa a pessoa que elas queriam e se não é melhor ficar solteiro de novo…
Embora o ser humano esteja de modo geral razoavelmente saciado, há também sempre algum nível de privação constante. E enquanto tentamos resolver nossa privação, muitas vezes nos esquecemos do que já conseguimos.
Um livrinho muito fofo que falta sobre a busca constante é A Parte que Falta. Para quem quer ter um spoiler do livro, esse vídeo conta um pouquinho da história:
Skinner já dizia que os drives de saciação e privação são capazes de alterar o valor do reforço. E desde D. Kahneman e A. Tversky, já sabemos que as perdas são mais sentidas do que os ganhos (já escrevi sobre isso aqui). Ou seja, nós, humanos, estamos sempre mais sensíveis à perda, ao que falta, à nossa própria privação, do que absorvemos do que já temos, da nossa saciação, e gratidão àquilo que conquistamos.
S. Kiekeergaard, um filósofo existencialista dinamarquês do início do século XIX, tinha uma maneira peculiar de falar sobre as escolhas humanas. A vida de Kiekeergaard foi marcada por mortes e perdas: 5 dos 6 irmãos que ele tinha faleceram na infância, ele não pôde se casar com a pessoa de quem gostava, ele próprio faleceu aos 42 anos de uma doença crônica na coluna. Então, é de se compreender porque as perdas eram muito sentidas para ele. Ele traz uma visão de que não há saída, e sempre vamos pensar que queríamos estar do outro lado da nossa escolha.
Case e você vai se arrepender. Não se case, e você também vai se arrepender. Casar ou não casar, você vai se arrepender de qualquer maneira. Ria da loucura do mundo, você vai se arrepender. Chore sobre isso, você vai se arrepender também. […] Isto, senhores, é a essência de toda a filosofia.
Soren Kiekergaard
Enquanto estamos correndo pela chuva, conseguimos estar gratos pela água no nosso balde?
Park e colegas desenvolveram um estudo em 2021 para avaliar como as pessoas se comportavam em um jogo do ultimato após situações que levavam à gratidão.
Para quem não se lembra, o jogo do ultimato é um modelo usado para avaliar como as pessoas cooperam em situações de desequilíbrio. No jogo, a pessoa A (o propositor) recebe uma quantia em dinheiro e decide como dividir esse valor com a pessoa B (o receptor). Se B aceitar, tudo certo e cada um recebe sua parte. Se B recusar, ninguém recebe o dinheiro.
No experimento de Park, inicialmente era solicitado para a metade dos participantes que eles escrevessem um parágrafo sobre momentos em que se sentiram gratos. Para a outra metade, eles precisavam escrever sobre eventos típicos do dia. Depois disso, os participantes entravam no jogo do ultimato como receptores para receber as ofertas da divisão de um valor de 10 dólares. Nem todas as ofertas eram justas, ou meio-a-meio. Em algumas, as ofertas eram de 3, 2 ou 1 dólar para o receptor, enquanto o propositor ficaria com a maior parte. Os participantes que trabalharam a gratidão na primeira parte do experimento aceitaram mais prontamente as ofertas mesmo aquelas em que eles saíram prejudicados. Os autores discutem que a gratidão torna as pessoas mais empáticas, solidárias e mais propensas a se engajarem em relações prosociais de cooperação.
A gratidão envolve a capacidade de reconhecer o que é bom no presente, mesmo que seja pouco ou que dure pouco.
Talvez a questão não seja apenas buscar um balde maior ou nos conformar com o atual, mas aprender a apreciar a chuva enquanto o enchemos. E se, ao invés de só correr, a gente parasse para sentir a chuva na pele? Deixássemos o balde de lado por um momento e nos maravilhássemos com o presente de estarmos aqui agora. No fim das contas, a vida é uma dança entre a busca e a contemplação. Espero que no próximo ano possamos apreciar mais, com baldes pequenos ou grandes, e lembrar que o verdadeiro tesouro está em cada gota.
Feliz 2025.
Para saber mais:
Kahneman, D., & Tversky, A. (1984). Choices, values, and frames. American Psychologist, 39(4), 341-350. https://doi.org/10.1037/0003-066x.39.4.341
Park, G., vanOyen-Witvliet, C., Barraza, J.A. & Marsh, B.U. (2021). The Benefit of Gratitude: Trait Gratitude Is Associated With Effective Economic Decision-Making in the Ultimatum Game. Frontiers in Psychology. 12:590132. doi: 10.3389/fpsyg.2021.590132
Silverstein, S. (2018). A parte que falta. Companhia das Letrinhas: São Paulo.
Como citar este artigo (APA):
Luque, P. (2024, 20 de dezembro). Como está o seu balde? Blog do IBAC. https://ibac.com.br/como-esta-o-seu-balde/