João está em terapia com uma Analista do Comportamento e os seus pais para identificar objetos comuns em sua casa. João gosta de empilhar itens e de encher recipientes (como, por exemplo, arroz, feijão e água) e esvaziá-los. O terapeuta e os pais de João decidem usar Estratégias de Ensino Naturalísticas para aumentar sua habilidade de identificar objetos comuns.
Os pais de João colocam diversos itens que esperam que ele aprenda a identificar. Por exemplo, há copos, chapéus, sapatos, brinquedos preferidos e livros posicionados ao seu alcance. Também há uma grande caixa de feijão na sala de estar, na qual João adora brincar. À medida que João demonstra interesse em brincar na caixa de feijão, sua mãe tira vários copos para ele encher/esvaziar com feijão. João fica muito animado e alcança o copo. Sua mãe fornece um dica verbal: “copo”. João responde com uma aproximação: “C-c.” Sua mãe, empolgada, entrega o copo para João encher com feijão. Ela faz isso repetidamente com diferentes copos. Ao longo de várias semanas, os pais de João usam essa atividade para gerar tentativas de rotular muitos itens, incluindo os itens da sua alimentação.
À medida que João consegue se aproximar dos nomes dos itens comuns, ele é incentivado a usar os rótulos durante sua rotina diária. Por exemplo, ao alcançar sua bebida na mesa de jantar, ele é incentivado a dizer “copo.” Assim, muitas atividades na casa de João tornam-se oportunidades para trabalhar no desenvolvimento de habilidades.
O exemplo acima ilustra brevemente a utilização de Estratégias de Ensino Naturalísticas (Naturalistic Teaching Strategy – NTS), que são uma compilação de estratégias utilizadas para ensinar habilidades a crianças em seus lares, escolas e comunidades (Thompson & Odom, 2011). Segundo Sella e Ribeiro (2018), uma das principais características das estratégias naturalísticas é que as atividades costumam ser extremamente prazerosas para a criança, sendo diretamente orientadas e conduzidas por seus interesses e reforçadores.
As abordagens de ensino naturalista, além de estarem firmemente fundamentadas em princípios e nas Ciências do Comportamento, atendem plenamente às diretrizes da Análise Comportamental Aplicada (ABA), incluindo: (1) protocolos de intervenção; (2) metas de intervenção socialmente significativas; e (3) resultados da intervenção analisados objetivamente, avaliando o progresso da criança antes, durante e após a intervenção (McGee, 2005).
As primeiras aplicações de intervenções comportamentais naturalistas para casos de autismo mostraram que a generalização melhorou substancialmente como resultado do ensino em ambiente natural (Carr & Kologinsky, 1983). Comparações subsequentes também mostraram que o ensino em contextos naturais, além de também resultar em uma melhor generalização, reduzia a necessidade de ensinar diretamente cada habilidade em múltiplas e variadas situações (McGee, 2005).
Além dos ganhos de generalização mencionados anteriormente, também foram associados ao uso de procedimentos naturalistas: (a) redução da dependência de incentivos (McGee e McCoy, 1981); (b) linguagem mais natural (McGee e Daly, 2007); (c) vantagem de eficiência no ensino da forma da linguagem com significado (McGee e Daly, 2007); e (d) habituação a distrações do dia a dia presentes no mundo real (McGee, 2005).
À vista dos esforços entre os pesquisadores, com o escopo de melhorar a eficácia dos procedimentos, abaixo estarão algumas estratégias que poderão ser úteis em um ensino naturalísticas, de acordo com a literatura científica (McGee e Daly, 2007):
- Observe seu filho para descobrir o que o motiva e, em seguida, estruture as interações de ensino em torno desses interesses.
- Utilize materiais que seu filho provavelmente encontrará no dia a dia. Por exemplo, se você deseja ensiná-lo a identificar itens que se enquadram na categoria “coisas com as quais você brinca”, pode usar bonecas, blocos e carros que estão disponíveis em casa e na escola.
- Ensine habilidades em uma variedade de situações e ambientes (como em casa e no parquinho), utilizando diferentes materiais (por exemplo, ensine números usando itens variados, como doces ou talheres).
- Proporcione consequências que são naturalmente encontradas no ambiente e têm uma relação direta com a atividade que você está realizando. Por exemplo, a comida pode ser um reforçador natural e direto durante o almoço, enquanto os brinquedos podem ser um reforçador natural e direto durante o “tempo de brincadeira”.
- Ofereça sessões de ensino com estrutura flexível que variem de acordo com os interesses da criança naquele dia. Por exemplo, se você estiver ensinando seu filho a solicitar objetos de diferentes tamanhos, pode ser necessário usar bonecas em vez de ursinhos de pelúcia, caso ele demonstre maior interesse por bonecas naquele dia.
Em resumo, as estratégias de ensino naturalistas desempenham um papel fundamental na construção de repertórios comportamentais, das mais simples às mais complexas. É através delas que muitas respostas podem ser fortalecidas e novos comportamentos podem ser adquiridos (Novais, 2019). No entanto, antes de definir qualquer intervenção clínica, seja diretamente ou por intermédio da família, é essencial realizar uma avaliação abrangente para identificar as necessidades e os benefícios específicos para cada criança.
Para saber mais:
Carr, E. G., & Kologinsky, E. (1983). Acquisition of sign language by autistic children. II: Spontaneity and generalization effects. Journal of Applied Behavior Analysis, 16(3), 297–314. https://doi.org/10.1901/jaba.1983.16-297
McGee, G. G., & Daly, T. (2007). Incidental teaching of age-appropriate social phrases to children with autism. Research and Practice for Children with Severe Disabilities, 32(2), 112–123. https://doi.org/10.1177/154079690703200205
McGee, G. G., & McCoy, J. F. (1981). Training procedures for acquisition and retention of reading in retarded youth. Applied Research in Mental Retardation, 2(4), 263–276. https://doi.org/10.1016/0272-5832(81)90008-3
Sella, A. C., & Ribeiro, D. M. (Eds.). (2018). Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista. Curitiba: Editora Appris.
Thompson, T., & Odom, S. (2011). Individualized autism intervention for young children: Blending discrete trial and naturalistic strategies. Baltimore, MD: Paul H. Brookes.
Como citar este artigo (APA):
Nascimento, L. S. (2024). Autismo: estratégias de ensino naturalísticas. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/autismo-estrategias-de-ensino-naturalisticas/