Imagine a seguinte situação:
Você comprou um pacote de férias para Arraial D’Ajuda para passar lá uma semana do verão. Estava em oferta e você pagou apenas R$ 1.000,00. Você quer muito ir porque seus amigos mais queridos estão indo também.
Aí chegou em seu email uma outra oferta, de uma semana em Búzios. Como o preço está ótimo, você acaba comprando esse pacote também por R$ 1.500,00.
Quando você vai organizar a agenda, você se dá conta de que os dois pacotes são para a mesma semana!! Eles não têm cancelamento grátis. Você terá que escolher um ou outro para ir e vai ter que perder um deles.
A decisão é difícil: Arraial d’Ajuda é o lugar que você queria ir, mas Búzios foi mais caro. Qual destino você escolhe?
Pense e responda antes de continuar a ler….
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Esse foi um dos experimentos de Hal Arkes e Catherine Blumer, precursores no estudo do efeito sunk cost, em 1985. O efeito sunk cost é definido como uma tendência de persistir em um empreendimento, uma vez que tenha sido feito investimento de tempo, dinheiro ou esforço.
A economia define o efeito sunk cost como irracional e mal adaptativo, uma vez que os investimentos já realizados não deveriam importar ou influenciar as decisões subsequentes. O que interessa são as possibilidades de ganhos futuros. Porém, de modo geral, prestamos mais atenção no que já gastamos ou no tempo já decorrido, em vez de atentar para o que vai acontecer daqui para a frente.
Se você respondeu como a maioria dos participantes da pesquisa de Arkes e Blumer, o destino preferido será Búzios, que é a viagem que você “perderia” mais dinheiro se abrisse mão. Mas você já gastou R$ 2.500,00 para viajar e não poderá recuperá-los. Tanto faz para qual destino você vai. O que importa é onde você acha que pode se divertir mais e aproveitar as férias.
(A pesquisa original usa estações de esqui para Michigan por $100 e Winconsin por $50. A preferida, mas mais barata, foi escolhida por 45% dos participantes, enquanto a mais cara e menos preferida recebeu 55% dos votos – o que não seria considerado um comportamento racional).
Na Análise do Comportamento, não faz sentido atribuir um papel causal ao efeito sunk cost. O termo utilizado é apenas uma descrição do fenômeno em que pessoas escolhem alternativas em razão de variáveis presentes em sua história de vida e não em relação à oferta de reforçadores presentes em cada alternativa.
E de fato ficamos emocionalmente presos a ações que já executamos parcialmente e estamos aguardando o resultado. Imagine que você está na parada de ônibus, e ele demora a chegar. Passam-se 15 minutos, 30, 40. Se você tivesse chamado um Uber, você já estaria em casa há bastante tempo. Mas você permanece na parada, até porque a cada minuto esperado aumenta a probabilidade de que o ônibus esteja mais próximo (desde que você não tenha esquecido que o ônibus nem passará nesse dia).
Uma das variáveis de interesse, pesquisadas na literatura da Análise do Comportamento, para explicar o efeito sunk cost é o papel das regras. No exemplo do ônibus, talvez você tenha pensado que pedir um Uber depois de 40 minutos esperando significa desperdiçar todo o tempo. E todos nós culturalmente aprendemos uma regra de “não desperdiçar” coisas, recursos, dinheiro ou tempo. Já sabemos que a presença de regras dificulta o contato com a contingência. Se estamos seguindo uma regra de que precisamos otimizar nossas escolhas, nos tornamos parcialmente insensíveis à contingência que mostra os possíveis ganhos e perdas de cada alternativa.
E com o seguimento das regras, vem o reforço social. Talvez você já tenha ouvido (ou falado para alguém) algo como: “Você não termina nada do que começa!”. Eventualmente, terminar algo pode não parecer tão reforçador. O melhor pode ser abandonar mesmo para tentar descobrir reforçadores de maior magnitude em outro curso de ação.
Mas, de certa forma, incentivamos a permanência nas nossas relações sociais. Em casamentos de longo prazo, por exemplo. (Aliás, casamentos costumam ser excelentes exemplos para várias situações estudadas da economia comportamental. Deixo para vocês avaliarem o porquê). Casais que estão juntos por muito tempo tendem a ouvir frases do tipo “Você vai abrir mão de todos esses anos juntos?”. Ou seja, de certa forma, os comportamentos de persistir são reforçados e os de desistir, punidos.
Para ilustrar, vejam um trechinho da série Better Call Saul, um spin-off da maravilhosa Breaking Bad. Para quem não viu, recomendo as duas, disponíveis na Netflix:
Finalmente, quero deixar uma reflexão de um estudo muito legal feito por pesquisadores japoneses, liderados por J. Fujino. Há uma tendência de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) priorizarem informações locais e serem razoavelmente insensíveis a estímulos contextuais. Os pesquisadores queriam identificar se essas condições também se aplicariam à tomada de decisão.
Eles trabalharam com 29 adultos com TEA e outros 29 adultos neurotípicos e usaram a pergunta do experimento de Arkes e Blumer que está no começo desse post.
Os participantes precisavam escolher entre a preferência de viagens entre 23 pares de cidades no mesmo país (por exemplo: Nova Iorque x Los Angeles). Depois eles recebiam a informação de que tinham comprado as viagens na mesma data e teriam que escolher um destino. Na condição controle, o preço das viagens era idêntico. Na condição sunk cost, o preço da viagem preferida era 50% mais alto que do outro destino. Foram calculados o escore sunk cost, baseado na proporção de tentativas que foram escolhidas entre as menos preferidas na condição sunk cost e a proporção de tentativas menos preferidas na condição controle, e esse valor foi correlacionado com a severidade dos sintomas associados ao TEA.
Os indivíduos neurotípicos demonstraram o efeito sunk cost, replicando os resultados de Arkes e Blumer (1985). Já os indivíduos com TEA demonstram o efeito sunk cost reduzido, ou seja, eles foram mais sensíveis ao reforçamento do que ao custo afundado da compra da viagem. Ou seja, demonstraram comportamentos mais adaptativos, sob a ótica da economia comportamental (Figura 1b).
O estudo também mensurou o tempo para a escolha. Indivíduos com TEA responderam mais rapidamente que os indivíduos típicos na escolha pela viagem, decidindo pelo que queriam sem gastar tanto tempo na reflexão (Figura 1a).
Não foram identificadas correlações significativas entre o efeito sunk cost e a severidade dos sintomas de TEA.
Para os pesquisadores, os resultados indicam aspectos positivos dos estilos de tomada de decisão e mostram implicações práticas do funcionamento socioeconômico de indivíduos atípicos. Se o efeito sunk cost é considerado um comportamento irracional, o estudo japonês parece demonstrar que TEA não leva à inaptidão em todos os sentidos.
Para saber mais:
Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140. https://doi.org/10.1016/0749-5978(85)90049-4
Fujino, J., Tei, S., Itahashi, T., Aoki, Y., Ohta, H., Kanai, C., Manabu K., Hashimoto, R., Nakamura, M., Kato, N., & Takahashi, H. (2019). Sunk cost effect in individuals with autism spectrum disorder. Journal of autism and developmental disorders, 49(1), 1-10. https://doi.org/10.1007/s10803-018-3679-6
Navarro, A. D., & Fantino, E. (2005). The sunk cost effect in pigeons and humans. Journal of the experimental analysis of behavior, 83(1), 1-13. https://doi.org/10.1901/jeab.2005.21-04