Aceita um cafezinho?  A economia das experiências 

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Quando um(a) cliente chega no meu consultório, eu sempre ofereço um café. Acho que é uma praxe da profissão, pelo menos é da maioria das psicólogas que eu conheço.  

No consultório, meu café é de cápsula, então há algumas opções. Conforme o vínculo vai se formando, eu vou aprendendo também, além da história de cada cliente, um pouco da sua preferência por café. Alguns querem uma intensidade menor, outros querem mais forte, vários querem duplo, alguns preferem uma xícara pequena. Há quem goste dos aromatizados, como baunilha ou caramelo; há quem escolha pela cor da cápsula (“Qual é esse verdinho?”); e há, também, quem já tem um sabor de cápsula preferido (“Você tem Volluto? Se não, pode ser o Colômbia mesmo”). Sabendo quem vou atender no dia, eu já me preparo: levo o Ristretto para quem é de Ristretto e Cosi para quem é de Cosi. 


Preparar tantos cafés em sequência me fez pensar quando foi que o café se tornou tão complicado. E nem vou falar dos chás – um cliente me disse uma vez que, se acabasse o chá preferido dele – de amora e baunilha -, ele nunca mais ia voltar. 

Hoje, café não é só um café. Um café precisa ser instagramável. Precisa vir em uma xícara delicada, minimalista ou poética, conforme o humor do tomador do café. Hoje você pode escolher a origem, definir o tipo de filtragem, selecionar o tipo de torra, avaliar o tamanho. Tomar café se tornou ligeiramente mais complexo que nos tempos dos nossos avós. O café tem sabor não pela bebida em si, mas por toda a experiência que ele proporciona, por ter sido preparado com carinho, ou por ser compartilhado com alguém especial. Tomar um café virou sinônimo de encontrar os amigos, de relaxar após uma semana dura, de ter um momento seu, de autocuidado. Café não é mais uma bebida, é uma experiência. 

Vamos voltar no tempo. Em algum lugar do passado, um café era uma commodity, uma mercadoria. Quem lembra das aulas de História e das grandes lavouras de café, pré Grande Depressão de 1929? Havia café e pronto, sem diferenciação, sem marca. Nossos avós, provavelmente, compravam o café no marcadinho da rua, por quilo, em grão ou em pó. Não havia marca, nem tipo, nem se sabia sobre a florada ou origem. Era café e pronto. Todos tomavam o mesmo café. Essa era a época da economia da mercadoria. O preço era mais baixo porque o produto era mais simples. 

Com o passar do tempo, a commodity foi dando espaço para a economia do produto. Marcas surgiram. Novas embalagens, com preços diferentes passaram a ocupar espaço nos lares. Agora não era só café, indiferenciado, mas ‘o café da marca tal’. As empresas lançaram produtos premium com preços mais caros e havia marcas mais em conta. Surgiu uma infinidade de produtos de café: instantâneo, preparado para cappuccino, em pacotes para família, ou sachês individuais. 

Você já deve ter visto, por exemplo, que alguns supermercados têm marca própria de certos produtos. Na verdade, o supermercado não produz, ele apenas embala e etiqueta o mesmo produto de uma empresa maior, com outro nome e vende por um preço mais acessível. É a mesma mercadoria, que virou um produto diferenciado.

uma máquina de cafe profissional, com xícaras empilhadas em cima. Atrás, um menu de cafés numa lousa preta, cortado.

A história do café não parou por aí. Depois da economia do produto, ainda tivemos a economia do serviço. E se, além de oferecer o pó de café para a pessoa preparar em casa, a indústria evoluísse para atender quem quer tomar um cafezinho fora de casa? Já dá para cobrar mais caro. Afinal, agora o café já está pronto e você nem tem o trabalho de preparar. Ele deixa de ser R$ 20 o kg (em média) para R$ 6,90 a xícara. Restaurantes passam a cobrar pelo café, que antes era de graça, servido em garrafa térmica e copinho de plástico. Cafeterias surgem oferecendo um café feito na hora e acompanhado de um pãozinho de queijo ou de um biscoitinho. E ganhamos o cappuccino, o mocha, o latte, o macchiato e outros mais. 

A evolução que se seguiu foi muito natural e facilitada pela tecnologia. Com as redes sociais, ficou muito trivial compartilhar o que estamos fazendo, inclusive quando tomamos café. Mas percebemos que há cafés mais fotogênicos que outros, e alguns lugares se especializaram em fornecer, além do café e suas variações, uma atmosfera agradável, um wi-fi poderoso, uma facilidade para pedir o café via aplicativo e recebê-lo pronto com seu nome escrito. Nada mais gostoso que tomar um café personalizado. As empresas que estão nessa economia têm o foco total no cliente, em como chega até o ponto de vendas, nos momentos de contato com a equipe, na facilidade para obter o produto, o serviço e a experiência com a marca.  

Essa é a economia da experiência, uma era em que os consumidores estão buscando um relacionamento com a marca, uma vivência imersiva com o produto, muito mais do que o produto em si. Eu quero ir à cafeteria, tirar uma foto do meu café preferido, quero ser bem tratada, quero receber um bilhetinho da equipe que fez meu café, quero pertencer à categoria de consumidores de uma determinada marca, quero ter um cartão fidelidade e me sentir especial.  

É claro que o preço acompanha a evolução da economia, como nesse gráfico: 

Adaptado de: https://medium.com/nossa-coletividad/o-efeito-starbucks-ou-a-economia-da-experi%C3%AAncia-bcc2cf9f36c8

A indústria do café não é a única que seguiu essas etapas econômicas. Quase todas as indústrias que temos hoje foram se transformando em etapas semelhantes. Carnes são um exemplo: Além de ter os cortes no supermercado, você pode visitar açougues gourmets que oferecem produtos exclusivos, e restaurantes especializados, para servirem refeições e experiências carnívoras. Restaurantes temáticos são um exemplo.

Você pode almoçar diariamente a marmitinha que leva de casa ou no self-service perto do trabalho. É uma comida de todo dia, gostosa e saudável. Mas se você tiver uma data especial, um aniversário ou outra comemoração, certamente vai preferir uma experiência mais interessante, seja em um restaurante da moda ou um lugar especial.

A indústria do turismo vive essa realidade há mais tempo. Não queremos só ir para a praia descansar nas férias; queremos uma experiência, colecionar histórias para contar, viver momentos memoráveis e inesquecíveis (de preferências com golfinhos, ou nas Maldivas, onde o mar não e só um mar…). 

Maldivas, para um gostinho da experiência

Agora uma reflexão: 

Quando você trabalha como psi, como você se posiciona? O que você oferece para sua cliente? Você pensa em todos os aspectos que a cliente enfrenta para chegar até você? Você considera sua experiência como cliente? Não se trata apenas de um consultório instagramável. Você lhe oferece facilidades, amenidades, ambiente, conforto e uma experiência completa? Em que ponto da economia das experiências você está?

Para saber mais:  

Lupton, D. (2014). The commodification of patient opinion: the digital patient experience economy in the age of big data. Sociology of health & illness, 36(6), 856-869. https://doi.org/10.1111/1467-9566.12109

Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (1998). Welcome to the experience economy. Harvard Business Review, July-August 1998, 97-105. http://mktgsensei.com/AMAE/Customer%20Satisfaction/Expereince%20Marketing/Experience%20Economy%20and%20Marketing.pdf

Sundbo, J., & Sørensen, F. (2013). Introduction to the experience economy. In Handbook on the experience economy. Edward Elgar Publishing. 

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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