A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e o Modelo de Consciência, Coragem e Amor: Reflexões Sobre a Prática Terapêutica

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Recentemente, recebi de uma aluna de psicologia um questionário como parte de seu trabalho acadêmico. Ao responder as perguntas, percebi que elas poderiam servir de base para uma publicação mais ampla, apresentando os fundamentos da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e o modelo de Consciência, Coragem e Amor. A partir dessa experiência, desenvolvi este texto para compartilhar reflexões e insights sobre a prática terapêutica, adaptados para o público do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento.

O que caracteriza um terapeuta FAP?

Ser um terapeuta FAP envolve mais do que seguir técnicas. A prática exige atenção plena à interação presente, observando e intervindo sobre os comportamentos clinicamente relevantes que surgem na sessão. As cinco regras da FAP — observar, evocar, reforçar, verificar e generalizar — são essenciais para o terapeuta identificar e promover mudanças, utilizando a relação terapêutica como instrumento central para o processo de cura. Ao entrar em um espaço de vulnerabilidade e autenticidade com o cliente, o terapeuta FAP constrói um vínculo único, onde o relacionamento é a própria ferramenta terapêutica.

Populações que se beneficiam da FAP

A FAP é especialmente recomendada para indivíduos com transtornos graves de personalidade, como o transtorno de personalidade borderline ou antissocial, devido à sua intensidade emocional ajustável às necessidades do cliente. Essa flexibilidade permite que a FAP se adeque à profundidade emocional exigida por esses casos, criando um espaço seguro para mudanças comportamentais significativas. No entanto, a abordagem também pode ser benéfica para pessoas com dificuldades relacionais, como aquelas que lidam com padrões de esquiva, ansiedade ou depressão.

Desafios entre Consciência, Coragem e Amor na Terapia

Um dos principais desafios da FAP é equilibrar os princípios de Consciência, Coragem e Amor. Se o terapeuta foca excessivamente na coragem, fornecendo feedback muito direto, pode prejudicar a sensação de acolhimento do cliente. Por outro lado, se o amor é expresso sem confrontar padrões problemáticos, a mudança pode ser comprometida. A consciência contínua e atenta da relação terapêutica é crucial para manter esse equilíbrio, de forma que a interação seja tanto acolhedora quanto promotora de transformação.

Resultados Esperados com a FAP

Além de promover melhorias nas habilidades relacionais dos clientes, a FAP também oferece resultados clínicos notáveis, como o alívio de sintomas de ansiedade e depressão. Uma recente meta-análise de ensaios clínicos randomizados e experimentos de caso único sobre a FAP mostrou que essa abordagem tem eficácia no tratamento desses sintomas (López-Pinar, 2024). Com o tempo, espera-se que os clientes se tornem mais autênticos em suas interações fora do contexto terapêutico, experimentando relações mais satisfatórias e genuínas.

A Terapia Analítico-Comportamental e o Modelo Consciência, Coragem e Amor

A Terapia Analítico-Comportamental (TAC) tem um enfoque distinto: ela ensina o cliente a identificar e analisar funcionalmente seus comportamentos, promovendo a resolução de problemas e a autogestão. O grande diferencial da TAC em relação ao modelo de Consciência, Coragem e Amor, como observado na FAP, está na ênfase da TAC na autonomia do cliente, ao passo que a FAP utiliza a relação terapêutica como meio principal de intervenção e mudança. Na TAC, o cliente aprende a fazer essa análise funcional por si próprio, alcançando objetivos comportamentais específicos.

Limites na Relação Terapêutica

Embora a FAP seja intensa e envolva uma relação emocional profunda entre terapeuta e cliente, é fundamental manter limites claros para preservar a ética e a segurança da relação. Limites profissionais, como a gestão do espaço pessoal, do tempo e da intensidade emocional, garantem que o relacionamento continue sendo terapêutico e que o cliente se sinta seguro durante o processo.

O Papel do Amor na FAP

O conceito de amor na FAP difere da empatia em outras abordagens terapêuticas. Aqui, o amor é expresso através do reforçamento positivo natural dos comportamentos de coragem do cliente. Quando o cliente demonstra vulnerabilidade ou enfrenta desafios emocionais, o terapeuta reforça esses comportamentos de forma imediata e genuína, criando um espaço de aceitação e incentivo para o crescimento. Isso transcende a simples empatia, pois envolve uma interação ativa e transformadora.

O Equilíbrio entre Amor e Limites

Embora o amor seja central na FAP, ele não deve ser confundido com permissividade. O amor incondicional, muitas vezes idealizado, é utópico; toda relação saudável exige limites. Parte do papel do terapeuta é estabelecer esses limites, assegurando que o amor seja expresso de forma que promova a segurança e o crescimento do cliente. Ao mesmo tempo, o terapeuta deve fornecer feedback honesto e corajoso, apontando padrões que necessitam de mudança para o bem-estar do cliente.

Mensagem Final: Consciência, Coragem e Amor

Consciência, Coragem e Amor não são apenas princípios teóricos; são práticas que transformam tanto o terapeuta quanto o cliente. Elas fortalecem o processo terapêutico, criando um ambiente onde o cliente pode ser autêntico, enfrentar seus medos e desenvolver relações mais saudáveis. A FAP nos ensina que é através da relação humana, baseada nesses três pilares, que a verdadeira mudança pode ocorrer, não apenas na terapia, mas na vida.

Referência

López-Pinar, C., Galán-Doña, D., Tsai, M., & Macías, J. (2024). Meta-analysis of randomized controlled trials and single-case designs on the efficacy of functional analytic psychotherapy. Clinical Psychology: Science and Practice. Advance online publication. https://doi.org/10.1037/cps0000221

Como citar este artigo (APA):

Xavier, R. N. (2024, 16 de outubro). A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e o Modelo de Consciência, Coragem e Amor: Reflexões Sobre a Prática Terapêutica. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/a-psicoterapia-analitica-funcional-fap-e-o-modelo-de-consciencia-coragem-e-amor-reflexoes-sobre-a-pratica-terapeutica/

Escrito por:

Rodrigo Xavier

Psicólogo (UFMS) e psicoterapeuta, Doutor em Psicologia Clinica (USP) com estágio sanduíche na University of Washington sob os cuidados dos Ph.D. Robert Kohlenberg, Mavis Tsai e Johnatan Kanter. Treinador certificado de FAP desde 2021. Líder de encontros do Projeto Global Viva com Consciência, Coragem e Amor desde 2018. Professor nos cursos de Formação em FAP e Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC.

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