A importância de uma educação sexual para crianças e adolescentes

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Em 2012/2013 eu estava finalizando minha pós-graduação em Terapia Sistêmica para Casais e Famílias e, assim como em qualquer pós-graduação, a finalização do curso dependia da entrega de um trabalho de conclusão de curso (o famoso TCC). Na época eu me empenhei para construir um material que fazia sentido para mim e até publiquei esse material em formato de artigo na Revista Psicologia em Foco. O título do trabalho foi “Quando Crianças Abusam de Outras Crianças” (Almeida Silva & Lins, 2013).

Há 10 anos atrás as notícias não chegavam tão rápido quanto atualmente e os materiais para pesquisa eram escassos (nós tínhamos acesso apenas aos poucos livros e alguns poucos artigos científicos). Em 2012/2013 foram encontradas apenas três notícias referentes ao tema abuso sexual cometido por crianças e/ou adolescentes contra outras crianças e outros adolescentes. Em contrapartida, eu tive contato com diversos casos dessa natureza tanto nos atendimentos clínicos quanto em supervisões particulares e/ou em instituições de ensino desde quando eu iniciei minha carreira na psicologia clínica em 2011. Esse era um assunto (e continua sendo) tabu, pois coloca em questionamento a inocência das crianças perante o sexo.

À época do artigo, eu encontrei duas possíveis explicações para essas situações de abuso sexual. A primeira foi a “Síndrome de João e Maria” (Furniss, 1991), onde não existem os papéis de vítima e abusador, visto que as crianças estão em idade e desenvolvimento cognitivo semelhantes. A segunda explicação se refere ao abuso cometido por crianças e/ou adolescentes maiores contra crianças menores ou com desenvolvimento cognitivo inferior àquele que comete a violência, sendo esse segundo configurado como violência sexual (porém, não irá necessariamente se configurar como crime).

A explicação e nomeação da “Síndrome de João e Maria” dada por Furniss (1991) pode ser um pouco confusa para analistas do comportamento, visto que os comportamentos (ou classes de respostas) devem passar por análises funcionais na tentativa de criar hipóteses para compreender o que a pessoa faz e o porquê ela faz. Tais análises devem sempre perpassar pelos três níveis de variação e seleção: filogênese, (relacionado à espécie), ontogênese (aprendizagem individual, efeitos da interação com o ambiente, história de reforçamento, punição etc.) e cultura (aprendizagem através da transmissão de práticas, culturais) (Skinner, 1985/1953).

Considerando os três níveis de variação e seleção para compreender tais atos sexuais inapropriados, fica evidente que a filogênese atua como subsídio biológico para que o contato sexual seja possível; porém, é na análise ontogenética e nas práticas culturais que devemos focar, uma vez que tais atos provavelmente foram aprendidos. Porém, antes de discutir sobre aprendizagem, é importante diferenciar contato sexual inapropriado entre crianças de comportamento reforçado automaticamente tal como a masturbação, já que crianças tocam as diversas partes dos seus próprios corpos e isso faz parte do desenvolvimento humano (Barros & Benvenuti, 2012).

Tanto nos casos de abuso sexual (criança/adolescente mais velho contra criança/adolescente mais jovem) quanto nos contatos sexuais impróprios (Síndrome de João e Maria), a classe de respostas referentes aos atos sexuais provavelmente foram aprendidos (ontogênese), segundo Goulart et al. (2012), a partir:

  • Da observação (aprendizagem vicariante) de outras pessoas (supostamente adultos) se envolvendo sexualmente diante de crianças;

  • Do reforço positivo, pois existe acolhimento, proximidade e carinho mesmo que a interação sexual seja inadequada;

Assim, uma criança tenderá a interagir com outra criança de forma sexual apenas caso tenha tido modelos para emissão de tais comportamentos. No entanto, a exposição a comportamentos sexuais prematuros é considerado crime de pedofilia no Brasil (Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). A pedofilia é caracterizada como uma parafilia – fantasias ou fetiches que fogem às normas sociais -, e pode ser configurada como crime caso o adulto venha a realizar condutas sexuais contra crianças e adolescentes (sentir atração sexual por crianças e adolescentes não é considerado crime) (APA, 2022).

Para além de uma parafilia ou crime, a pedofilia pode ser também entendida a partir das práticas culturais de uma determinada cultura, até porque, no Brasil, mais de 4 meninas com menos de 13 anos são estupradas por hora. Ou seja, a violência sexual contra crianças é uma violência estrutural que pode se iniciar desde a exposição a atos sexuais até a violência sexual em si mesma (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022). São várias as medidas que podem ser tomadas para que esse número diminua, inclusive uma educação sexual mais efetiva.

É importante salientar que apenas a observação de um ato sexual é capaz de marcar para sempre a vida de uma criança, tal como explica Furniss (1991) ao defender o conceito de “Síndrome de João e Maria”. Porém, apesar de toda a exposição aos conteúdos sexuais que crianças e adolescentes têm sido sujeitados cada vez mais novos, existem alguns caminhos possíveis para tentar evitar que crianças sejam vítimas de qualquer tipo de violência sexual que poderá comprometer completamente o seu desenvolvimento sexual na vida adulta. Essa discussão ainda é recente e precisa ser suscitada na academia, nos consultórios e em casa; todavia, encerro este texto pensando em ações que possam contribuir para evitar ou diminuir os casos de violência sexual na infância e adolescência:

  • Ensinar as crianças sobre seus próprios corpos.
  • Criar ambientes seguros para que elas contem sobre seu dia, sobre seus medos e sobre seus descontentamentos.
  • Dar abertura para que o tema sexo seja cada vez menos tabu.

Referências

Almeida Silva, A. C.; & Lins, M. R. S. W. (2013). Quando crianças abusam de outras crianças. Revista Psicologia em Foco, 5(6), 48-65. https://revistas.fw.uri.br/index.php/psicologiaemfoco/article/view/1117

American Psychiatric Association. (2022). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed., text rev.). https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425787

de Barros, T., & Benvenuti, M. F. L. (2012). Reforçamento automático: estratégias de análise e intervenção. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento20(2), 177-184. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=274524471004

Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990). Lei Federal n. 8069. Brasil.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022). Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Furniss, T. (1991). Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas.

Goulart, P. R. K.; Delage, P. E. G. A.; Rico, V. V.; Brino, A. L. F. (2012). Aprendizagem (cap. 2). In: M. M. C. Hübner & M. B. Moreira. Fundamentos de psicologia: temas clássicos da psicologia sob a ótica da análise do comportamento. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan Ltda.

Skinner, B. F. (1985/1953). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

Escrito por:

Ana Clara Almeida Silva

Psicóloga, Doutoranda e Docente do curso de Pós-Graduação em Análise Comportamental Clínica e no curso de Formação em FAP do IBAC.

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