“Skinner me livre, mas quem me dera”: pensando um pouco sobre o controle aversivo

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Como estudiosos, pesquisadores e aplicadores da Análise do Comportamento (AC), estudamos a respeito do controle aversivo, quais as contingências que se encaixam nesse conceito e quais os principais efeitos comportamentais em cada um dos casos. Além disso, ouve-se também sobre os chamados “efeitos colaterais” de alguns dos procedimentos com a participação de eventos aversivos. Poderíamos até continuar a piada, nas analogias forçadas do Ítalo, e supor que um dos principais “mandamentos” da AC é exatamente esse que você está pensando: “não aplicarás o controle aversivo sobre o próximo”.

Para tentar deixar ainda mais clara a premissa da analogia anterior: Não é incomum que, ao estudar sobre controle aversivo e seus principais efeitos, observa-se um conjunto de dados e descrições de que este é um conjunto de contingências pouco efetivas para planejar mudanças de comportamento, tendo em vista que (de forma bem resumida):

1. Ensinam padrões de fuga/esquiva (reforçamento negativo), ou

2. Ensinam o que não deve ser feito (punições), e/ou

3. São contingências que podem produzir efeitos emocionais diversos (Catania, 1999; Skinner, 1953).

Bom, parece que temos aqui boas razões para preferir contingências que envolvam reforçamento positivo, certo?

Eu arriscaria dizer que uma resposta prudente seria afirmar que “sim, mas depende…”. Para justificar essa resposta, gostaria de destacar dois argumentos que pretendo desenvolver ao longo do texto: i) as propriedades aversivas de contingências de reforçamento positivo (Luiz & Hunziker, 2018) e ii) um breve destaque sobre a “origem” do controle aversivo (Sidman, 2009). Os dois pontos abrem caminhos interessantes para análise conceitual de termos fundamentais da nossa área e (me permitam fazer mais uma piada) “nos colocam cara-a-cara com a necessidade de assumir uma posição investigativa, com notas de ceticismo” (não é necessariamente um vinho, mas eu endosso a ideia de que possa ser – a análise conceitual – degustada com parcimônia).

Nossa, mas é claro que o controle aversivo não deve ser preferido”, esse foi talvez um dos meus primeiros pensamentos ao estudar sobre o tema. Quando exploramos a temática do controle aversivo aprendemos que esse conceito é representado pelas características de procedimento e de processos comportamentais resultantes do reforçamento negativo e das punições (positiva e negativa). E isso se deve ao fato de que há, nessas contingências, a presença de eventos aversivos, sejam eles evitáveis ou não (Catania, 1999). Há, nesse sentido, uma ênfase muito consistente sobre as propriedades aversivas dos estímulos nessas contingências e, além disso, sobre os efeitos colaterais diversos, tanto em termos dos subprodutos emocionais, como da efetividade apenas momentânea ou a dependência, no caso das punições, da presença do agente punidor no contexto.

Porém, Luiz & Hunziker (2018) argumentam que não apenas nossa área tem dado pouca ênfase ao estudo de contingências aversivas e seus efeitos (o que já é, per se, um tema de outra grande discussão), assim como os resultados de algumas pesquisas têm sugerido o desenvolvimento de possíveis propriedades aversivas em contingências de reforçamento positivo. Por exemplo, o comportamento de pausa pós-reforço, bastante comum em esquemas de razão, faz parte do processo comportamental observado nesses esquemas, mas levanta um questionamento interessante sobre o que o mantém. Em esquemas de razão, quanto mais um organismo emite resposta, mais produz reforços. Então, parece contraintuitivo supor que um organismo pararia de responder depois de um reforço ser apresentado (a pausa pós-reforço). O fato é que param e, não só isso, essas pausas são mantidas pelas contingências.

Alguns pesquisadores identificaram não apenas que a pausa é função da quantidade de respostas que um organismo deve emitir no esquema de razão (quanto maior a razão de respostas exigida, maior a pausa), mas também que estímulos, correlacionados com a ocorrência de diferentes contingências em esquemas de razão, podem adquirir propriedades aversivas e, portanto, interferir no tamanho da pausa (Baron & Herpolsheimer, 1999; Ferster & Skinner, 1957; Griffiths & Thompson, 1973). Grosso modo, fala-se que os estímulos adquirem propriedades aversivas pela “comparação” entre diferentes contingências com esquemas de razão: um organismo pode fazer uma pausa maior agora se a contingência atual sinaliza que a próxima contingência “exigirá” uma quantidade de respostas ainda maior para produção de reforços. Assim, um aumento no tempo sem resposta (da pausa pos-reforço) pode ser interpretada como supressão resultante dessas propriedades aversivas desenvolvidas em contingências de reforçamento positivo.

Um outro aspecto interessantíssimo ressaltado pelas autoras (Luiz & Hunziker, 2018) consiste na ênfase de que contingências de reforçamento positivo podem eliciar respostas agressivas, um subproduto comumente relatado como efeito de contingências em que há a presença de eventos aversivos. Em geral, os resultados de diferentes estudos sugerem que a agressividade desenvolvida em contingências de reforçamento positivo é função da imposição de intermitência de reforçadores positivos. Ou seja, a transição de um contexto “rico” na produção de reforços (reforçamento contínuo, CRF), para um contexto “pobre” – com menor frequência de reforços (esquemas intermitentes), pode ser suficiente para induzir ocorrência de respostas agressivas em ambiente experimental.

Uma implicação direta da análise desses dados é tanto o reconhecimento das limitações de uma definição conceitual e, tal como defendido por alguns autores, até o questionamento sobre a validade da dicotomia positivo vs. aversivo. Além disso, como bem ressaltam Luiz e Hunziker (2018), as implicações desses resultados são relevantes também para pensarmos aspectos éticos. Estabelece-se uma condição que nos exige ir além da organização conceitual didática, do princípio norteador em que devemos preferir contingências reforçadoras positivas e da noção potencialmente superficial de que contingências reforçadoras positivas são isentas da participação de eventos aversivos.

Sidman (2009) desenvolve uma obra, “Coerção e suas implicações”, que apresenta boas justificativas à preferência por contingências reforçadoras positivas, discutindo também em um tom quase genealógico a respeito das raízes do controle aversivo. O autor debate de forma bem didática as diferenças que aprendemos acerca dos tipos de reforçamento e punições, além de propor uma forma interessante de pensar (embora questionável e criticada) o conceito de “coerção”. Pessoalmente, considero um livro que pode ser uma boa opção para quem deseja se expor a uma leitura amigável sobre essas diferentes categorias de processos comportamentais.

Sobre a discussão concernente ao princípio norteador, retornando aqui a brincadeira em torno de um suposto “mandamento” (“Não usarás controle aversivo”), é curioso como a ênfase no termo “preferência” pode significar, para alguns, “uso exclusivo”. Vale lembrar que o nosso comportamento de escolha é função, como todo e qualquer operante, das contingências. Claro, não podemos ser ingênuos e supor que estamos falando de um conjunto simples de contingências: no cotidiano de trabalho, temos de ponderar desde aspectos éticos a diferentes características individuais para, só assim, escolher por X ou Y intervenção.

Seguindo nesse raciocínio, imagine que a intervenção Y é uma estratégia envolvendo aplicação de reforçamento diferencial de outras respostas (DRO), um esquema em que estímulos reforçadores são apresentados se, e apenas se, uma dada resposta-alvo não ocorrer ao longo de um tempo t. Caso a resposta alvo ocorra, reinicia-se o tempo, aumentando ainda mais o período sem acesso a reforçadores. A frequência da resposta alvo, como resultado desse procedimento, tende a níveis próximos de zero. Por produzir esse comum resultado, em alguns casos, pode ser uma opção de contingência utilizada para reduzir frequências de respostas desafiadoras. Reconhecendo isso, agora pensemos juntos: o que seria o DRO se não uma contingência de punição negativa? (reforços para outras respostas são removidos contingentemente à ocorrência de uma resposta, o alvo da punição). Então, não é como se devêssemos simplesmente “deletar” qualquer conhecimento sobre um ou outro tipo de intervenção. Não se trata de um uso exclusivo de uma em detrimento de outras. Afinal, é razoável considerar que, a depender do caso, iremos sim utilizar contingências claramente punitivas (como é o caso do DRO).

A despeito do caráter prescritivo e dessas discussões sobre o princípio norteador, outra importante questão suscitada pela leitura de Sidman (2009) envolve a ampliação da análise selecionista em torno do controle aversivo. Existem capítulos dedicados a discutir sobre nossa relação com a natureza e algumas propriedades aversivas que parecem controlar diferentes padrões, dentre eles: a construção de abrigo e produção de vestimentas, ou mesmo o nosso comportamento de acumular recursos. Ou seja, a despeito das questões estéticas e outras funções reforçadoras condicionadas adquiridas em decorrência da convivência social, casas são construídas pois evitam diferentes ameaças, naturais ou não; roupas são produzidas e utilizadas em função da manutenção da temperatura; e acumulamos recursos (comidas e outros bens) pois permite evitar efeitos aversivos da escassez.

Dentro desse contexto, o autor defende ainda que a própria comunidade é hostil. Seja por generalização do que se aprende na relação com a natureza, seja pela imediaticidade dos efeitos de algumas contingências aversivas sobre a mudança de comportamento e, por isso, seja pelo próprio “modelo” que as relações sociais nos apresenta, não parece ser difícil supor que há uma altíssima chance de observarmos o desenvolvimento de padrões mantidos em contingências aversivas. Por vezes, o custo (não exatamente financeiro, mas também de execução) de contingências aversivas pode ser menor quando comparado a aplicação de contingências reforçadores positivas. Esse aspecto aparentemente simples, junto a imediaticidade dos efeitos de eventos punitivos, podem ser os principais parâmetros da contingência que controla o comportamento de quem pune ou de quem exerce coerção (Sidman, 2009).

O trocadilho com a música no título do texto foi feito para tentar sintetizar as considerações finais do que discutimos até aqui. Temos um princípio norteador; porém, alguns aspectos dessa questão precisam ser ponderados. O primeiro é que não parece ser possível evitar, somos afetados e praticamos o controle aversivo constantemente. Estímulos adquirem funções aversivas e, nesse sentido, algo que assumimos ser “ok” para nós, pode ser exatamente um estímulo supressor de uma classe de respostas para outras pessoas.

Além disso, considerando a discussão sobre as propriedades aversivas de contingências reforçadoras positivas, embora exista uma preferência ética pela não utilização de contingências aversivas, não é como se o uso indiscriminado de contingências reforçadores positivas nos retirasse do campo da problematização e da preocupação ética com a intervenção. Por essa razão, sempre busco ressaltar a importância de estar sensível às contingências. Nesse caso, envolve também o questionamento de modelos e um olhar crítico para as definições conceituais.

Referências

Baron, A., & Herpolsheimer, L. R. (1999). Averaging effects in the study of fixed-ratio response patterns. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 71(2), 145-153. https://doi.org/10.1901/jeab.1999.71-145

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (4a. ed., D. G. de Souza et al., Trad.). Artmed, Porto Alegre.

Ferster, C. B., & Skinner, B. F. (1957). Schedules of reinforcement. Cambridge: Prentice Hall.

Griffiths, R. R., & Thompson, T. (1973). The post-reinforcement pause: A misnomer. The Psychological Record, 23, 229–235. https://doi.org/10.1007/BF03394160

Luiz, F. B. & Hunziker, M.H.L. (2018). Propriedades aversivas em contingências de reforçamento positivo: evidências empíricas. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 14(2), 154-162.

Sidman, M. (2009). Coerção e suas implicações. Editora Livro Pleno.

Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: The MacMillan Company. 

Escrito por:

Ítalo Teixeira

Bacharel em Filosofia e Psicologia. Mestre em Ciências do Comportamento

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