O outro lado da moeda: crianças e aparelhos eletrônicos

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Muitos pais e outros cuidadores se preocupam com o uso excessivo que as crianças fazem em aparelhos eletrônicos, tais como videogames, tablets, celulares. Isso porque, muitas vezes, os pequenos acabam deixando de desempenhar atividades importantes do seu dia a dia, como realizar tarefas de casa, estudar para as provas, seguir a rotina diária (hora pra dormir e comer), praticar atividade física, socializar e cumprir as tarefas domésticas.

Usualmente, os responsáveis pela criança aderem a estratégias que parecem ser a solução. Como forma de castigo, a proíbem de usar o eletrônico totalmente ou por muitas semanas, verbalizam à criança que é preciso ficar menos tempo na tela, gritam e utilizam de outras formas coercitivas quando a encontram extrapolando o tempo nos aparelhos, entre outras possibilidades.

Contudo, geralmente, essas estratégias funcionam apenas momentaneamente. A criança e o adolescente podem driblar a situação, usando o aparelho eletrônico de forma escondida, mentindo sobre quais atividades realizaram durante seu dia, ir à casa de algum colega que possua algum dos eletrônicos ou encontrar outras alternativas para burlar o castigo imposto. Quando os cuidadores descobrem, normalmente observa-se a história se repetir: brigas e novos castigos são aplicados e, sucessivamente, novas formas de fuga serão encontradas.

Porém, pouco consideramos os diferentes ambientes cotidianos em que a criança está inserida e supomos que possam estar contribuindo para a atual situação do uso excessivo de celular, tablet, videogame ou outros aparelhos.

Ao realizar uma observação ampla do dia a dia, pode-se constatar, por exemplo, que a criança diariamente é reprimida por:

  • Professores, quando não acerta alguma atividade acadêmica;
  • Pais, quando brinca de correr ou começa a cantarolar pela casa;
  • Colegas da escola e da vizinhança, quando é excluída de atividades em grupo ou esportes coletivos;

Em contrapartida, é possível que, com o uso desses eletrônicos, a criança possa estar tendo acesso a interações mais agradáveis e salutares com seu mundo, das quais é privada diariamente. Dentre elas, pode-se citar:

  • Ser acolhida por colegas e não sentir-se sozinha em contexto de interação;
  • Seus progressos, ainda que pequenos, são reconhecidos e valorizados;
  • Sentir que consegue explorar objetos e ambientes sem receber broncas de seus responsáveis;
  • Sentir-se capaz/autoconfiante em suas escolhas;
  • Não sentir-se culpada quando comete algum erro;
  • Dificilmente recebe algum rótulo pejorativo, como “ruim em matemática”.

Face ao que foi exposto, instigo a seguinte reflexão: em detrimento de focar os esforços que leve à intervenção estrita do uso dos aparelhos eletrônicos, é importante o olhar atento, amplo e sensível ao que de fato pode estar levando o consumo excessivo das telas pelas crianças. Nos exemplos ilustrados, pouco se sustentará a intervenção de proibir ou utilizar estratégias coercitivas. Considerando os ganhos a curto e a longo prazo (nos períodos da infância, juventude e adultez), estratégias mais efetivas e duradouras levariam à construção de novos repertórios ou habilidades que estão deficitários nos pequenos e em seus cuidadores (por exemplo, seus pais e professores), além do rearranjo dos programas cotidianos. Ao focarmos em ações voltadas à construção de uma relação rica entre os diferentes ambientes e a criança, de forma natural, o tempo nas telinhas tenderá a se reduzir.

A tirinha abaixo é uma excelente oportunidade para iniciarmos uma observação ampla do dia a dia dos nossos pequenos, bem como refletir possibilidades de mudanças nesses ambientes.

Acompanhe minha coluna aqui no Blog do IBAC para conhecer outras dicas e conheça também minha conta no instagram.

Sugestõe de leitura:

Baum, W. M., & Rachlin, H. C. (1969). Choice as time allocation. Journal of the experimental analysis of behavior, 12(6), 861-874. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-861

Diseró, B. (2019 12 de junho). Uso de aparelhos eletrônicos por crianças deve ser limitado a 1 hora. Jornal da USP. Caderno Atualidades / Rádio USP. https://jornal.usp.br/?p=246826

Weber, L. (2017). Eduque com carinho para pais e filhos Paraná: Juruá.

Escrito por:

Amanda Viana dos Santos

Psicóloga pela PUC Goiás e mestra e doutoranda em Análise do Comportamento pela UEL. Docente no curso de Formação em Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC. Gerencia o Instagram @guiapraticodospequenos

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