O Consumo de Pornografia e o Distanciamento de Interações Sexuais Reais

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Antes de mais nada, faz se necessário informar aos leitores que esse texto foi escrito por mim, Ana Clara Almeida, e pela Cíntia Milanese, ambas mulheres feministas, que compreendem a pornografia como um sistema de violência, exploração e inequidade diante de mulheres.

Na Análise do Comportamento, os comportamentos são compreendidos a partir de três níveis de variação e seleção: o filogenético (relacionado às questões biológicas, fisiológicas, genéticas e da espécie), ontogenético (relacionado a aprendizagem individual, efeitos da interação com o ambiente, história de reforçamento, punição e etc.) e cultural (relacionada a aprendizagem através da transmissão de práticas, valores e formas de se comportar coletivamente, principalmente através da linguagem) (Skinner, 1981).

No que se refere à filogênese, é possível fazer uma breve teorização acerca do assunto ao utilizar o estudo do neurocirurgião Hilton Jr. (2012) que trabalhou com temas relacionados ao vício em pornografia e compulsões sexuais para compreender de forma metafórica o efeito da pornografia na sexualidade humana. Hilton Jr. (2012) escreveu uma matéria relatando que, no final do século XIX, alguns residentes encontraram lagartas de mariposas em números incomuns ao redor de suas casas, sendo esse fenômeno conhecido na história como a “Infestação das Mariposas Ciganas na América”.

Na tentativa de explicar esse fenômeno, alguns cientistas nos anos 60 descobriram que as fêmeas lagartas de mariposas emitiam um odor que tinha o objetivo de atrair os machos para o acasalamento; esse odor foi nomeado de feromônio. Para comprovar tal teoria, os cientistas produziram em laboratório feromônio idêntico ao das fêmeas e espalharam excessivamente no ambiente das mariposas.

O resultado desse experimento foi que as fêmeas mariposas perderam a habilidade natural de atraírem os machos, bem como os machos ficaram confusos e incapazes de encontrar as fêmeas. A reprodução das mariposas pôde ser controlada pelo uso de feromônios de laboratório, já que com o passar do tempo, os machos se tornaram dessensibilizados diante dos feromônios que as fêmeas naturalmente exalavam e não se interessavam mais em acasalar com elas. Desta maneira, naquele momento, a infestação das mariposas foi controlada.

Mas o que esse estudo das mariposas pode nos ensinar sobre a sexualidade humana baseada na pornografia?

Segundo Lopes (2013), a internet possibilitou o acesso cada vez mais facilitado a conteúdos pornográficos e esse uso costuma ser feito na maioria das vezes para estimulação sexual pré-masturbatória; ou seja, não exige e nem necessita da presença de uma parceria. Desta forma, a pornografia produz um efeito semelhante ao que aconteceu com as mariposas machos do experimento com os feromônios: uma dessensibilização diante de interações sexuais reais. Da mesma forma que as mariposas macho perderam o interesse em acasalar com as mariposas fêmea, os consumidores de pornografia parecem estar cada vez menos interessados em interações sexuais reais.

Sendo assim, consumidores de pornografia tendem a se tornar cada vez mais compulsivos por pornografia e o excesso desse tipo de estimulação pode vir a dessensilibizar os circuitos neurais de recompensa do espectador, tornando o estímulo sexual cada vez mais ineficaz. Com isso, o usuário sente a necessidade de consumir cada vez mais conteúdos pornográficos e/ou procurar por estímulos mais intensos e/ou mais violentos para manter o efeito inicial excitatório da pornografia. Ou seja, o que era excitante antes, não irá excitar mais, por isso a necessidade de conteúdos mais intensos (Park et al., 2016).

Wilson (2016) descreveu que essa dessensibilização dos circuitos de recompensa gera um escalonamento (necessidade de cada vez mais estímulo), provocando mudanças na transmissão de dopamina, que pode vir a ser uma das causas ou pode contribuir com quadros de depressão e ansiedade. Em consonância com Wilson (2016), o estudo de Park et al. (2016) mostrou que os consumidores de pornografia relataram maior frequência e intensidade de sintomas depressivos, menor qualidade de vida e piora na saúde mental em comparação com aqueles que não consumiam pornografia.

Além de quadros de depressão e ansiedade, o consumo de pornografia pode levar ao desenvolvimento de outras psicopatologias (ou intensificação dos sintomas de psicopatologias já presentes), ao aumento da agressão sexual contra mulheres, ao consumo ou aumento do consumo de álcool e/ou outras drogas, a formas violentas de vivenciar a masculinidade, a dificuldade em se relacionar com pessoas reais, diminuição da produtividade, bem como a diversas disfunções sexuais e/ou parafilias (Heer et al., 2020; Laier & Brand, 2017; Crosby & Twohig, 2016).

Além de todos os efeitos nocivos citados anteriormente, o uso de pornografia pode levar ao vício. No momento, ainda não existe uma classificação no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5; APA, 2014) especificamente sobre esse fenômeno. O que caracteriza esse comportamento como vício é a busca constante por materiais pornográficos e uma necessidade incessante de consumi-los (Lopes, 2013). Indivíduos que apresentam adicção pela pornografia tendem a sofrer com alterações de humor e estresse antes e depois de assistir os conteúdos pornográficos (Laier & Brand, 2017; Crosby & Twohig, 2016).

Ainda não existem dados robustos comprovando que existe uma relação de causa e efeito relacionada à pornografia e problemas psicológicos ou/e sexuais. Contudo, parece existir uma forte correlação entre os temas, uma vez que diversos estudos trazem juntos e relacionados os temas pornografia, transtornos mentais e/ou sexuais. Independente da ausência de robustez nos estudos, os dados produzidos na literatura já conseguem explicitar os efeitos nocivos da pornografia na sexualidade humana.

Referências

Associação Americana de Psiquiatria (1994). Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed.) Washington, DC, EUA.

Crosby, J. M.; Twohig, M. P. (2016). Acceptance and commitment therapy for problematic internet pornography use: a randomized trial. Behavior Therapy, 47(3), 355-66. doi: 10.1016/j.beth.2016.02.001

Heer, B. A., Prior, S., Hoegh, G. (2020). Pornography, masculinity, and sexual agression on college campuses. Journal of Interpersonal Violence, 1-24. doi: 10.1177/0886260520906186

Hilton Jr., D. L. (2012, Outubro, 4). The effects of pornography on the Brain by Dr. Donald L. Hilton Part 1 [Arquivo de vídeo YouTube]. Obtido em https://www.youtube.com/watch?v=SaysPiSetas

Hilton Jr., D. L. (2012, Outubro, 4). The effects of pornography on the Brain by Dr. Donald L. Hilton Part 2 [Arquivo de vídeo YouTube]. Obtido em https://www.youtube.com/watch?v=b4enUFrwUn4

Hilton Jr., D. L. (2012, Outubro, 4). The effects of pornography on the Brain by Dr. Donald L. Hilton Part 3 [Arquivo de vídeo YouTube]. Obtido em https://www.youtube.com/watch?v=mNZyFEB_New

Laier, C., Brand, M. (2017). Mood changes after watching pornography on the Internet are linked to tendencies towards Internet-pornography-viewing disorder. Addictive Behaviors Reports, 5, 9-13. doi: 10.1016/j.abrep.2016.11.003

Lopes, A. S. S. P. (2013). Consumo de pornografia na internet, avaliação das atitudes face à sexualidade e crenças sobre a violência sexual. Dissertação de mestrado, UAL – Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, Portugal. acessado em: 24/01/2023 <http://hdl.handle.net/11144/286>

Park, B. Y., Wilson, G., Berger, J., Christman, M., Reina, B., Bishop, F., Klam, W. P., Doan, A. P. (2016). Is the internet pornography causing sexual dysfunctions? A review with clinical reports. Behav. Sci., 6(3), 1-25. doi: 10.3390/bs6030017

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.

Wilson, G. (2016). Eliminate chronic Internet pornography use to reveal its effects. Addicta: The Turkish Journal on Addictions, 3, 209‒221. doi: 10.15805/addicta.2016.3.0107

Escrito em colaboração com:

Cíntia Milanese

@psifeminista

Psicóloga (CRP 06/157953) Professora da Pós-graduação em Análise Comportamental Clínica do IBAC.

Escrito por:

Ana Clara Almeida Silva

Psicóloga, Doutoranda e Docente do curso de Pós-Graduação em Análise Comportamental Clínica e no curso de Formação em FAP do IBAC.

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