Observação: Este texto é uma adaptação da introdução do artigo “Recurso terapêutico para crianças: lidando com a separação dos pais”, publicado no Comporte-se.
Os sentimentos dolorosos advindos do divórcio dos pais podem ser complicados de lidar para a maioria das crianças, que preferem esconder e podem ser transformados em sensações corporais como dores de cabeça, dores de estômago ou até mesmo em problemas de comportamento (Heegaard, 1998). Com a separação ocorrendo de forma amigável ou conturbada, cuidadores sempre se preocupam com a rotina e o modo de educar a criança, bem como a adaptação à nova configuração familiar. A aflição do divórcio pode colocar em xeque a decisão dos pais de se separarem ou não, especialmente quando não há consciência dos impactos negativos aos quais a criança pode ser exposta quando os cuidadores são um casal que não deseja mais ficar junto.
Nesse contexto, pode surgir o sentimento de insegurança dos cuidadores no que se refere a como conversar sobre o divórcio com a criança, ficando com dúvida se devem esconder ou mentir para o filho acerca da separação que está em processo. Caso isso ocorra, a criança pode se sentir “enganada” quando, mais tarde, seus cuidadores finalmente contarem, podendo gerar emoções de raiva e comportamentos de revolta; além do sentimento de desamparo nesse processo, que geralmente é difícil para todos da casa.
O trabalho da/o terapeuta infantil, em muitos casos, se torna essencial tanto com a criança quanto com seus cuidadores. Dentre as possibilidades de trabalho com os pais, inclui-se orientá-los a esclarecer à criança que:
- A separação não diz respeito à relação da mãe com o filho ou do pai com o filho, e sim do casal;
- A rotina irá se alterar a partir da separação, o que inclui fazer passeios diferentes, só com um e depois só com o outro, ter duas casas e poder ligar para o outro cuidador caso sinta saudade;
- O amor dos cuidadores pelo filho será perene e não sofrerá nenhuma mudança.
O processo de conversa com a criança pode ser valioso por ser uma oportunidade dela ser amparada, se preparar para a adaptação que será feita e tirar dúvidas que surgirem nesse momento. Este último ponto é de suma importância, especialmente porque crianças podem criar fantasias irreais, como “minha mãe está indo embora porque eu não arrumei meu quarto” ou “meu pai não gosta mais de mim, ele está querendo ir para longe para sempre”. É importante os cuidadores serem gentis com a criança se perceberem alguma concepção errônea sobre a separação e a corrigirem delicadamente.
Ademais, é necessário:
- Acolher a expressão de sentimentos de tristeza ou raiva da criança e compreender que são sentimentos esperados no início desse processo;
- Ainda que seja muito movimentado burocraticamente o momento da separação, não esquecer de dedicar pequenas porções diárias a tempo de qualidade;
- Preparar a(s) nova(s) casa(s) para receber a criança, o que inclui ter seu quartinho, seus brinquedos e outros pontos separados para ela;
- Buscar evitar grandes mudanças na rotina, como a escola que frequenta ou os lugares que costuma ir/passear;
- Não dar esperanças da volta do casal se um deixa claro que não há volta;
- Como o ex-casal estará sempre ligado por conta do filho, é importante trabalhar para que haja comunicação ao menos respeitosa entre ambos.
No contato com a criança, as possibilidades de trabalho são:
- Ajudá-la a compreender a situação que está passando;
- Ensinar novas formas de interagir com os pensamentos e os sentimentos relacionados, buscando se adaptar à nova realidade com o apoio emocional de seus cuidadores, o que inclui o terapeuta e seus responsáveis legais;
- Esclarecer que não é a criança que escolhe se os pais vão ou não se separar;
- Especificar que o amor entre os membros familiares com ela não irá mudar;
- Esclarecer que ela não é a razão da separação de seus pais;
- Refletir que a mudança faz parte da vida, assim como a plantinha, os períodos do dia e nós mesmos mudamos;
- Identificar pontos de dificuldade do divórcio, bem como os obstáculos, para refletirem diferentes soluções de lidar com a mudança;
- Refletir o que é casamento e o divórcio e por quais razões podem ocorrer de forma geral;
- Avaliar a atribuição da culpa da criança pelo momento que está passando, se há pensamentos discrepantes;
- Ensinar sobre os sentimentos que o divórcio gera: identificar e nomear sentimentos, esclarecer que eles fazem sentido e são naturais os sentirmos quando perdemos algo, que não existem sentimentos errados;
- Criar contexto para identificar medos e preocupações diante da situação do divórcio e outras situações;
- Reconhecer os sentimentos dos pais nesse momento;
- Ter conhecimento de sua rede de apoio, como os demais familiares e colegas.
Portanto, saber conversar sobre o divórcio com a criança é essencial para melhor compreensão do momento difícil, além de seus conflitos com seu mundo interno e/ou externo que podem surgir diante desse contexto possam ser resolvidos (Heegaard, 1998). Assim, é fundamental o psicoterapeuta se preparar para atendimentos com esse tipo de demanda tão delicada, bem como os responsáveis legais da criança debruçarem esforços em manejar a situação norteados pelas orientações descritas.
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Referência
Heegaard, M. (1998). Quando os Pais se Separam. Porto Alegre: Artmed.