CARTILHA DE ORIENTAÇÃO SOBRE NEURODIVERSIDADE E NEURODIVERGÊNCIA

Vivemos em um modelo de sociedade construído a partir de premissas discriminatórias que definem o padrão ideal de manifestação da existência humana. Neste sentido, historicamente, pessoas divergentes foram marginalizadas por grupos hegemônicos de poder. Estas estruturas influenciam diretamente na formação identitária do sujeito, uma vez que a lógica imposta de hierarquização social traz barreiras profundas para os grupos divergentes. Um dos grupos que, ao longo do tempo, tem lutado pelo reconhecimento e pelo direito de existir e viver dignamente em sociedade é o de pessoas com deficiência. Atribuir ao indivíduo a responsabilidade e a culpa pelas limitações presentes no seu viver cotidiano, contribui para anuviar as variáveis que de fato impõem barreiras para algumas formas de existência em nossa sociedade. Sendo assim, os aparatos sociais estão contaminados pelo paradigma da dominação de corpos e mentes divergentes. O modelo social da deficiência inverte a lógica, uma vez que defende que é nossa formação social que estabelece as barreiras impostas, ou seja, as práticas sociais podem promover atitudes e políticas de inclusão ou serem excludentes. Assim, retira-se a culpa do indivíduo e responsabiliza-se a conjuntura social. 

Quando se trata de diversidade inerente à espécie humana, esta também pode se mostrar a partir de diferenças neurológicas que promovem distintas formas de existir. O termo “neurodiversidade” foi criado pela socióloga australiana, também autista, Judy Singer em 1998 para descrever variações de diferentes modos de funcionamento, de evolução e de adaptação do cérebro humano. Neste sentido, toda pessoa é neurodiversa, pois a neurodiversidade diz respeito à existência de diferentes tipologias do cérebro. Dentre a variedade tipológica de cérebros, a maioria dos indivíduos segue um desenvolvimento neurológico que, sem considerar as diferenças individuais, pode ser considerado típico. Essas pessoas são chamadas de neurotípicas. Uma parte menor da população (que está entre 15 e 20%) compartilha um desenvolvimento neurológico, em alguns aspectos, diferente da maioria, descrito do ponto de vista estatístico como atípico. Essas pessoas são definidas como neurodivergentes ou neuroatípicas. Neurodivergência também é espectro. 

Ao longo dos anos, outras condições, além do autismo, têm sido consideradas parte da neurodivergência. Entre elas, encontra-se: dislexia, TDAH, síndrome de Tourette, discalculia, disgrafia, altas habilidades e superdotação, etc. Esta luta tem fomentado discussões sobre a necessidade de despatologizar algumas formas específicas de existir que parecem incomodar os grupos dominantes. Com isso, tem crescido a variedade de condições que têm lutado pelo reconhecimento de ser parte da neurodivergência, como a bipolaridade, a esquizofrenia, a condição borderline, entre outros. Com base neste pressuposto, então, defende-se que algumas condições mentais que foram comumente patologizadas devem ser vistas como naturais e, sobretudo, necessárias. O autismo é uma das condições que têm lutado pelo reconhecimento identitário enquanto parte da neurodiversidade humana. Estima-se que 1% da população mundial seja autista. No Brasil, já são mais de 2 milhões de pessoas. Com a Lei 12.764/12, estabeleceu-se que, para efeitos legais, pessoas autistas são consideradas pessoas com deficiência. Assim, formaliza-se mais um dispositivo social na tentativa de garantir equidade para pessoas autistas terem o direito de exercerem sua cidadania. 

Ademais, enfatiza-se a importância de compreender mais a condição do autismo, assim como de outras neurodivergências, para que seja possível construir um aparato social que vá além da tolerância ao outro divergente, mas que finque, profundamente, o enaltecimento da diversidade, permitindo que pessoas autistas possam autistar e terem orgulho de si. É preciso transformar radicalmente nossas práticas culturais e isto só é possível de acontecer com a força do coletivo.

Autoras: Lara Rodrigues Queiroz e Jéssica Borges

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